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Racista, sexista ou grande estadista? O polêmico legado político de Napoleão Bonaparte

A França se prepara para comemorar o bicentenário da morte do célebre imperador francês Napoleão Bonaparte no dia 5 de abril. No entanto, várias vozes da intelectualidade francesa lembram que Napoleão restaurou a escravidão e se recusam a celebrá-la. O legado da figura histórica favorita dos franceses parece dividir historiadores e ativistas, entrevistados pela RFI.

Obra do artista C215 (Christian Guerny) na prisão de Fresnes, em 2020. Retrato de Napoleão Bonaparte.
Obra do artista C215 (Christian Guerny) na prisão de Fresnes, em 2020. Retrato de Napoleão Bonaparte. AFP - JOEL SAGET
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Por Raphael Morán

A polêmica cresce à medida que se aproxima a data do bicentenário da morte de Napoleão Bonaparte na ilha britânica de Santa Helena, em 5 de maio de 1821, após sua derrota militar em Waterloo.

O ex-militar francês e imperador que impôs suas diretivas em grande parte da Europa, ainda é um mito intocável para muitos fanáticos que consideram Bonaparte como a personificação da grandeza da França. Inúmeros são os filmes, livros, monumentos parisienses e ruas que homenageiam ou relembram Napoleão.

No entanto, na França do século 21, vozes discordantes relembram o lado obscuro do personagem que descrevem como racista, sexista e belicista, e se opõem à celebração de sua figura.

O centro cultural de La Villette, ao norte de Paris, inaugura no dia 14 de abril uma exposição dedicada à figura de Napoleão, e pela primeira vez será exibido ao público um documento que mancha a imagem do ex-imperador dos franceses.

Trata-se de dois decretos de 1802 assinados pelo próprio Napoleão - então cônsul, ou chefe de fato do governo francês - nos quais ele restabelece a escravidão nos territórios ultramarinos franceses, apagando com uma canetada um dos grandes avanços da Revolução Francesa.

O ressurgimento do lado obscuro de Napoleão, graças ao trabalho dos historiadores, tornou o bicentenário de sua morte uma questão espinhosa para o governo de Emmanuel Macron.

O Executivo francês ainda não especificou como a morte de Napoleão será comemorada. Mas a ministra da Igualdade de Gênero da França, Elisabeth Moreno, não foi favorável à comemoração do aniversário. "Ele foi um dos piores misóginos" e "restabeleceu a escravidão", disse Moreno à rádio RTL.

Assinatura de Napoleão.
Assinatura de Napoleão. © Daphné Gastaldi

Legado que divide intelectuais

E é que o legado histórico de Napoleão divide os intelectuais.  “Primeiro, ele restabeleceu a escravidão. E no Código Civil Napoleônico, houve contratempos para as mulheres, se compararmos com a era revolucionária”, pontua a historiadora Françoise Vergès.

“O estatuto de 'chefe de família' do homem - estabelecido no Código Civil - não foi abolido até a década de 1970. A proibição de trabalhar sem o consentimento do marido, a repressão muito dura do adultério, a proibição do divórcio, constituem um grande retrocesso para as mulheres ”, lembra Vergès, também feminista e ativista antirracista e autora de "Abolir a escravidão, uma utopia colonial".

Em entrevista à RFI, Vergès sugere ultrapassar o "mito dourado" que cerca o ex-imperador francês: “A França poderia ter sido o primeiro país a abolir a escravidão em todas as suas colônias em 1794. Mas Napoleão operou um revés nesta questão em 1802 e restaurou a escravidão e o tráfico. A França foi o único país da Europa que teve de abolir a escravidão pela segunda vez, em 1848”, declarou.

Por outro lado, David Chanteranne, historiador e curador do museu Napoleão em Brienne-le-Château, insiste que grande parte da popularidade de Napoleão se deve ao seu destino excepcional.

“Ele nasceu em Ajaccio, uma cidade da Córsega com 3.000 habitantes (em 1769). Ele nasceu em uma época em que seu status social o impedia de ir além do posto de coronel do exército. Mas conseguiu ser general e com a Revolução ascendeu ao posto de cônsul, retomando a tradição romana, e depois imperador, aos 35 anos ”, explicou à RFI.

O presidente francês, Emmanuel Macron, em frente ao retrato de Napoleão I com a ministra Marlène Schiappa e o diretor Philippe Costamagna, em 6 de fevereiro de 2018 no Palais Fesch-Musée, o Museu de Belas Artes de Ajaccio.
O presidente francês, Emmanuel Macron, em frente ao retrato de Napoleão I com a ministra Marlène Schiappa e o diretor Philippe Costamagna, em 6 de fevereiro de 2018 no Palais Fesch-Musée, o Museu de Belas Artes de Ajaccio. REUTERS/Christophe Petit Tesson/Pool

Chanteranne admite que, “para restaurar a ordem em vários territórios, Napoleão cometeu a falha moral de reimpor a escravidão, mas não estava em uma perspectiva de racismo. Ele não restabeleceu a escravidão na Reunião. E acabou com o tráfico de escravos em 1815 ”.

"Os escravos se rebelaram várias vezes e Napoleão enviou tropas para esmagá-los", retruca a historiadora Françoise Vergès.

O acalorado debate sobre o legado de Bonaparte não impediu que sua cidade natal, Ajaccio, na ilha da Córsega, organizasse uma série de homenagens. “Apesar de seu lado obscuro, seu destino continua excepcional”, insiste o vice-vereador da cidade, Christophe Mondoloni. "Não comemorar sua morte seria o mesmo que ignorar a história."

As cerimônias de 5 de maio incluirão reconstituições de cenas históricas do retorno das cinzas de Napoleão.

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