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Encontro de Macron com 'Dr. Cloroquina' expõe fraturas internas da França

Mesmo que o Palácio do Eliseu tenha tentado relativizar a importância da visita do presidente francês Emmanuel Macron ao instituto de pesquisas de Didier Raoult em Marselha na quinta-feira (9), a presença do chefe de Estado colocou ainda mais em evidência o trabalho do polêmico professor e pesquisador e suas pesquisas com a cloroquina no combate à Covid-19. A RFI entrevistou Philippe Moreau-Chevrolet , professor de Comunicação Política na Sciences Po, em Paris, para entender o efeito deste encontro na opinião pública francesa.

O presidente francês Emmanuel Macron visitou Marselha na quinta-feira para conversar com o professor Didier Raoult
O presidente francês Emmanuel Macron visitou Marselha na quinta-feira para conversar com o professor Didier Raoult © captura de tela
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Raoult chegou a afirmar, em entrevista ao jornal econômico francês Les Echos, após a visita de Macron, que “sabemos curar essa doença” e que “3/4 dos pacientes infectados não tinham mais o vírus após seis dias”, num tratamento que combina a cloroquina com o antibiótico azitromicina.

Emmanuel Macron foi na quinta-feira à tarde em Marselha (Sul) para se encontrar com o professor Didier Raoult, com o objetivo de "fazer um balanço dos tratamentos contra o coronavirus", segundo informações do Palácio do Eliseu.

Para Philippe Moreau-Chevrolet, professor de Comunicação Política na Sciences Po, em Paris, há vários problemas na ida de Macron à Marselha desta quinta-feira. Entre eles, o fato de a população francesa perceber que o próprio presidente da República “não estar confinado” e continuar seus deslocamentos.

“A cloroquina está se tornando um importante pólo de opinião, apoiado inclusive pela direita na França, veja o exemplo [do prefeito de Nice] Christian Estrosi. Muitas forças políticas de direita apoiam o professor Didier Raoult, e isso estrutura uma parte da opinião pública”, analisa.

“Mas, é claro, existe também uma França formada por uma parte da extrema direita e dos defensores da teoria do complô, uma França que deseja soluções práticas e rápidas para essa crise, e que tem uma verdadeira postura de desafiar o governo, onde o discurso sobre a cloroquina também cresce em importância”, diz Chevrolet. 

Apoio popular

Segundo as últimas pesquisas de opinião na França, dois terços dos franceses pensam que o tratamento proposto pelo professor Raoult é eficaz e uma petição online já acumula quase meio milhão de assinaturas, recolhidas em poucos dias. Ao que tudo parece, Macron não poderá ignorar o aumento da popularidade deste polêmico pesquisador de Marselha.

“Nas últimas pesquisas, havia duas oposições importantes. A primeira delas, mais populista, entre a elite e o povo francês”, diz Philippe Moreau-Chevrolet, uma tendência encampada por Didier Raoult, que vestiu a capa do “defensor da população” contra a elite econômica parisiense, que seria corrompida pelo lobby das grandes indústrias farmacêuticas contra a cloroquina, um remédio essencialmente barato e pouco lucrativo. “A segunda seria a centralização das decisões por Paris em relação a todas as regiões francesas, evidente no tratamento da crise do coronavírus, quando algumas regiões adotaram protocolos próprios”, apontou.

“Macron não pode simplesmente fortalecer o discurso sobre a cloroquina, porque os testes clínicos divergem sobre esse assunto. É um tratamento reservado a doentes em estado terminal, é não é completamente levado a sério”, disse o professor da Sciences Po à RFI.

“O segundo problema que o presidente francês deve enfrentar é que o Sul da França está se tornando autônomo em termos de produtos sanitários. Em Cannes, já se esterilizam as ruas e se produzem máscaras localmente, e essa não é uma diretiva do governo central. Em Marselha, Didier Raoult trata pacientes com um protocolo que não é aprovado por Paris. Se Macron não der um jeito rapidamente, teremos uma região Sul com uma política sanitária completamente diferente do resto do país, e isso é inaceitável”, analisa.

Coletes amarelos e Didier Raoult

Philippe Moreau-Chevrolet estabelece uma relação direta entre a revolta dos “coletes amarelos” na França e a pesquisa desafiadora do professor Raoult. “É a mesma postura desafiadora. Existe uma parte do país que vive um confinamento duro, mas há também uma outra parte que precisa sair para trabalhar para a sobrevivência econômica da França. É a mesma população que esteve mobilizada pelos ‘coletes amarelos’, que é consequentemente mais exposta ao vírus. Tudo isso cria uma espécie de terror favorável às soluções rápidas como a do professor Raoult, que é de simples compreensão, um remédio que é desprezado pelas elites francesas, e isso tudo cria uma tensão clara, a mesma evocada pelos ‘coletes amarelos’, cuja questão não foi bem resolvida.

Para Chevrolet, o sucesso de Didier Raoult, o “Dr.Cloroquina” da França, se dá na sequência de uma série de erros do governo francês. “Macron não é visto como o salvador do país, pelo menos neste momento. Isso ainda pode mudar. O governo entendeu que a comunicação horizontal e transparente era uma coisa urgente há pouco tempo. Eles começaram a admitir que não possuem todas as informações e isso cria um elo de confiança com a população, mas isso toma tempo”, diz.

“A metáfora de guerra (usada por Macron em seus pronunciamentos) é interessante, mas não é 100% real, não estamos numa verdadeira guerra. Há um pouco de ficção. Do ponto de vista da comunicação, Raoult traz uma solução mais simples, com um look de Jesus Cristo, ele chega na hora certa. Mas os cientistas não vão aceitar qualquer protocolo, será necessário que o tratamento realmente funcione”, analisa o professor de comunicação política da Sciences Po.

 

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