Polêmico livro escrito por Hitler, ‘Mein Kampf’ retorna às livrarias francesas em edição 'crítica'
A editora francesa Fayard anunciou a publicação em 2 de junho de sua "edição crítica" de "Mein Kampf", o manifesto da ideologia racista e antissemita que embasou o nazismo de Adolf Hitler. Os benefícios econômicos obtidos com a venda do texto serão doados à Fundação Auschwitz-Birkenau.
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As livrarias francesas receberam na última segunda-feira (17) um e-mail da renomada editora francesa Fayard explicando o contexto da publicação, no dia 2 de junho, de "Mein Kampf" ("Minha Luta"), de Adolf Hitler. A distribuição do livro, diz o email enviado, será feita apenas para as livrarias que o solicitarem.
Com o título "Historicizar o mal", a edição crítica de "Mein Kampf" custará € 100 (R$ 645,00). A editora afirma que “a Fundação Auschwitz-Birkenau, encarregada de preservar a memória do célebre campo de concentração e extermínio, receberá os direitos autorais da primeira cópia vendida e todos os benefícios que dela possam advir”.
“Devemos republicar uma obra maldita que, segundo a opinião geral, é um tecido de horrores e loucuras? Para quê? A quem se destina?”, questiona, no entanto, o jornal francês Le Figaro.
"Proibir um livro que, de qualquer forma, sai fora de controle após algumas páginas devido à sua completa insanidade, não faria sentido, porque os fãs sempre poderão arranjar meios para obtê-lo", diz o historiador Claude Quetel, autor de "Tudo sobre Mein Kampf", ao Le Figaro.
"Por que não comentar esse livro com um grande aparato crítico, como faz a editora Fayard? Isso nos permite tirar o chão de quem continua a tirar vantagem [do texto] por razões mais ou menos duvidosas; e este é, em última análise, o argumento mais razoável", acredita.
O livro terá 1.000 páginas, das quais um terço será o texto original e dois terços a análise crítica.
"Nosso comitê de historiadores, liderado por Florent Brayard, traduziu, adaptou e expandiu as 3.000 notas da edição alemã e escreveu uma introdução geral e introduções de 27 capítulos", explicou o editor francês da obra.
Livro escrito na prisão
O livro foi escrito entre 1924 e 1925, quando Adolf Hitler estava na prisão após seu golpe fracassado em Munique contra a República de Weimar, lembra Le Figaro, acrescentando que, quando foi publicado, não teve muito sucesso e os próprios nazistas não o leram muito. Goering fez piada sobre isso e Himmler o achou chato. No entanto, quando o nazismo já controlava a Alemanha, mais de 12 milhões de cópias foram vendidas no país.
A primeira parte de "Mein Kampf" é o autorretrato de Hitler e a segunda parte é onde ele expõe suas obsessões. A ideia de que a vida é uma luta de morte entre os "fortes" e os "fracos". Uma luta sem misericórdia ou trégua entre as "raças dominantes" e as "raças servis" e, acima de tudo, um confronto ininterrupto entre o mundo germânico ariano e o mundo judaico.
Não é a primeira vez que o livro é publicado na França. A primeira edição data de 1934, um ano após a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha. O líder nazista ficou furioso na época com a editora francesa Nouvelles Editions Latines, que publicou o texto, numa edição de 700 páginas, por não respeitar os direitos autorais, explica Le Figaro. Hitler iniciou um processo contra a editora, e os juízes franceses decidiram a favor do chanceler nazista em junho de 1934. A editora teve que parar de imprimir e vender o livro, e destruir todas as cópias do inventário.
Quatro anos depois, em 1938, a editora Fayard publicou uma edição aprovada pelo regime nazista, sob o título "Minha doutrina", duas vezes mais curta, eliminando, entre outras coisas, as numerosas passagens anti-francesas.
Proibido na França durante a Ocupação Nazista
Paradoxalmente, o livro foi proibido na França durante os anos em que o país foi ocupado pelos nazistas. O "Mein Kampf" consta da "Lista Otto", o documento de 12 páginas intitulado "Livros Retirados da Venda por Editoras ou Banidos por Autoridades Alemãs", publicado em 28 de setembro de 1940.
O historiador Quetel explica a Le Figaro que o livro de Hitler não seria do agrado daqueles alemães que, como Otto Abetz, amigo de Jünger e Drieu la Rochelle, sonhavam com uma reaproximação com a intelectualidade francesa.
A partir da década de 1960, o livro pôde ser encontrado em algumas livrarias. A Nouvelles Editions Latines, que ainda o comercializa, entre 2003 e 2016, teria vendido cerca de 50 mil exemplares, como explica Claude Quetel ao jornal francês. Um número pequeno em comparação com o mundo árabe-muçulmano, onde ele é vendido aos milhões, diz Le Figaro, acrescentando que hoje é muito popular na Turquia e na Índia, onde os ultranacionalistas hindus o consideram fascinante.
Uma edição crítica alemã de "Mein Kampf", em dois volumes de quase 2.000 páginas, foi publicada por um centro de pesquisa histórica com sede em Munique, o Institut für Zeitgeschichte, em janeiro de 2016, quando a obra entrou em domínio público.
Em janeiro de 2021, a Bellona Publishing House em Varsóvia publicou uma edição crítica de 1.000 páginas em polonês.
(Com AFP)
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