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Criação de passaporte vacinal divide europeus: solução prática ou discriminação?

Vários países europeus anunciaram o projeto de lançamento de um passaporte para os cidadãos que já foram vacinados. O documento permitiria a seu portador voltar a uma “vida normal”, frequentando restaurantes, shows e até viajando sem restrições. Mas a questão levanta um debate que confronta interesses econômicos, questões éticas e científicas.

A ideia de um passaporte para que as pessoas vacinadas possa voltar a uma vida “normal” divide na Europa
A ideia de um passaporte para que as pessoas vacinadas possa voltar a uma vida “normal” divide na Europa AP - Martin Meissner
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O conceito do passaporte de vacinação não é novo. Muitos países impõem a obrigação de se imunizar contra certas doenças para entrar em seu território, como pode ser o caso da febre amarela.

Mas desde que países como Islândia, Suécia e Dinamarca anunciaram sua intenção de criar uma espécie de “corona pass”, um passaporte específico para quem se vacinou contra a Covid-19, a questão divide. O setor econômico o defende, alguns o consideram uma afronta às liberdades, enquanto muitos cientistas pedem para não se precipitar devido ao pouco conhecimento que ainda se tem sobre as novas vacinas.

Os defensores do passaporte de vacinação estão numerosos no setor do lazer, que veem nele uma forma de "voltar à vida de antes", com um acesso seguro, por exemplo, às salas de espetáculos, restaurantes e estádios de futebol. Os países que dependem da turismo são os principais defensores do dispositivo.

A Grécia, cuja economia está diretamente ligada ao número de visitantes em suas inúmeras ilhas, submeteu em janeiro uma proposta de criação de um “certificado de vacinação” junto à Comissão Europeia, para facilitar as viagens dentro do bloco. Atenas, aliás, concluiu esta semana um acordo bilateral com Israel, permitindo que seus cidadãos vacinados pudessem entrar no país.

A Espanha não lançou um projeto de passaporte vacinal, mas já se mostrou favorável à ideia. Segundo a ministra espanhola das Relações Exteriores, Arancha Gonzalez Laya, o documento poderia ser “um elemento muito importante para garantir a volta à mobilidade com segurança”. Mesmo tom do lado de Roma, onde o comissário italiano encarregado da gestão da crise sanitária, Domenico Arcuri, disse que a iniciativa “não é má ideia”.

Fora da Europa, algumas companhias aéreas, como a australiana Qantas, também defendem o projeto. Empresas como Emirates e Etihad vão além, e já se preparam para testar o aplicativo "IATA Travel Pass", concebido pela Associação Internacional do Transporte Aéreo. O sistema permitirá aos passageiros "verificar que seu teste anterior à viagem ou sua vacinação respondem às exigências de seu destino".

Entrada proibida na padaria para quem não for vacinado?

Na França, o governo se mostra mais do que reticente. Várias pesquisas no país apontam que a maioria da população seria favorável ao passaporte de vacinação se sua aplicação se limitar às viagens em avião ou às visitas a lares de idosos, mas é mais relutante a estendê-lo a outras situações da vida diária, como o transporte público ou as escolas. “Todos ainda não têm acesso à vacina e não sabemos se ela impede a transmissão”, resume o ministro francês da Saúde, Olivier Véran.

O presidente dos Aeroportos de Paris, Augustin de Romanet, apesar de ser "favorável" a "medidas que permitam limitar ao máximo a paralisação da economia", classifica o passaporte de "orwelliano" – em referência ao livro "1984", do britânico George Orwell. Ele teme que o risco de "cairmos em um sistema em que, pelo fato de um não ter sido vacinado, [um cidadão] não consegue nem passar pela porta da padaria".

Na França também há que lembre que a vacina não está disponível para todos e o fato de restringir o acesso a alguns locais às pessoas imunizadas configura uma forma de discriminação, que poderia ser contestada juridicamente. Além disso, a vacinação contra a Covid-19 não é obrigatória e, ao limitar a entrada em alguns locais às pessoas que foram vacinadas, o governo acaba forçando os que não querem ser imunizados a se vacinar para não serem excluídos da sociedade.

Na Alemanha, as autoridades se opõem abertamente ao fim das restrições apenas para as pessoas vacinadas. Mas Berlim não exclui a possibilidade de medidas específicas no setor privado. “Se o dono de um restaurante quiser fazer uma promoção apenas para pessoas vacinadas, não podemos impedir”, declarou a ministra alemã da Justiça, Christine Lambrecht.

Na Polônia, o governo se opõe a um passaporte vacinal, mas criou seu próprio aplicativo, que permite que seu detentor, ao provar que foi vacinado, evite a quarentena quando entra no país. O mesmo princípio foi adotado na Estônia, onde os passageiros imunizados são isentos do isolamento.

Na Bélgica, o governo é contrário ao uso de um passaporte como condição para a participação em atividades públicas. Já para as viagens, o país espera o resultado das discussões no nível europeu e na Organização Mundial da Saúde (OMS).

OMS critica a ideia

Os países da União Europeia negociam atualmente normas comuns para que certificados médicos sejam reconhecidos em todo o bloco. No entanto, nenhuma posição conjunta foi divulgada.

Já a OMS se mostrou favorável ao princípio de certificados de vacinação que ajudarão a acompanhar a evolução da campanha de imunização. No entanto, a entidade criticou a implementação de passaportes vacinais como pré-requisito para entrar em um país, principalmente em razão das incógnitas em torno das vacinas. Isso porque os imunizantes administrados desde dezembro no mundo impedem desenvolver a doença Covid-19, mas os estudos ainda não determinaram se eles evitam também a infecção com o vírus e sua transmissão. Também não se sabe, até o momento, por quanto tempo as vacinas protegem.

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