Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Reino Unido acerta contas com passado colonial e "esconde" monumentos de personagens históricos controversos

Publicado em:

Personagens de um capítulo controverso da história britânica vão perdendo espaço na paisagem local. Nomes e rostos vinculados ao período do colonialismo e da escravidão são questionados em todo o país. Esta semana, a empresa que administra o distrito financeiro de Londres — criada ela própria como parte daquela engrenagem — resolveu consultar a população sobre o que fazer com monumentos que carregam as manchas desse passado.

Protesto de ativistas da Universidade de Oxford que pedem a remoção de uma estátua de Cecil Rhodes, um imperialista vitoriano na África do Sul que fez fortuna nas minas e financiou bolsas de estudo na universidade.
Protesto de ativistas da Universidade de Oxford que pedem a remoção de uma estátua de Cecil Rhodes, um imperialista vitoriano na África do Sul que fez fortuna nas minas e financiou bolsas de estudo na universidade. AP - Matt Dunham
Publicidade

O Reino Unido está fazendo uma espécie de acerto de contas com o seu passado colonial, o que era necessário. Muitos historiadores dizem que o olhar crítico sobre esse capítulo da história estava perdido e fora do currículo escolar. Muitas das homenagens a esses personagens controversos pareciam fazer parte da paisagem, sem questionamento.

É o caso do busto do naturalista e colecionador Sir Hans Sloane, que perdeu, na semana passada, seu lugar de destaque no Museu Britânico, que ajudou a fundar a partir da doação, em 1753, de 71 mil objetos da sua coleção. Mas o nome deste que foi o primeiro cidadão britânico a receber um título hereditário não está relacionado apenas à generosa doação que deu origem ao museu.

A sua fortuna estava atrelada aos lucros que obteve nas fazendas de açúcar da mulher e aos escravos que mantinha. Sua estátua agora ficará em exibição em local discreto e ele será descrito como colecionador e proprietário de escravos. Ele também dá nome à praça Sloane, endereço de luxo na capital britânica, e à estação de metrô vizinha. 

O manifestante Paul Matthias segura bandeiras enquanto protesta contra a estátua de Hans Sloane perto da Praça Sloane em Londres, sexta-feira, 28 de agosto de 2020.
O manifestante Paul Matthias segura bandeiras enquanto protesta contra a estátua de Hans Sloane perto da Praça Sloane em Londres, sexta-feira, 28 de agosto de 2020. AP - Kirsty Wigglesworth

Nesta quarta-feira, a escola primária Fundação Sir John Cass anunciou que mudará de nome. O mesmo já tinha acontecido com a escola de administração da Universidade College London, que também tinha sido batizada em homenagem a este comerciante e político do século XVIII. O problema é que Sir John Cass é mais um personagem polêmico. Sua fortuna usada para criar a fundação que patrocina projetos educacionais para jovens desfavorecidos também veio em boa medida dos ganhos obtidos com o tráfico de escravos.

A própria fundação reavalia mudar de nome. O fato é que até o grupo de administra a City, como é conhecido o distrito financeiro de Londres — e um dos mais importantes da Europa — resolveu abrir uma consulta pública para saber como a população se sente diante de certos monumentos e nomes que emprestam prestígio a escolas, universidades e museus.

O mais interessante é que a primeira consulta venha logo daí, o distrito onde nasceram os bancos e seguradoras, criados justamente naquela época para dar as condições econômicas necessárias aos negócios revisitados hoje de comerciantes, fazendeiros e traficantes de escravos. As pessoas poderão se manifestar por três meses e indicar quais nomes incomodam e quais monumentos podem mudar de lugar ou ficar onde estão. O grupo também deve retirar de sua sede a estátua de William Beckford, um político do século XVIII, que foi seu representante duas vezes, além de deputado. Ficou conhecido como o "Rei da Jamaica", onde fez fortuna com a propriedade de sua plantação e milhares de escravos.

 

É inegável que tudo isso tenha ligação com os protestos do Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), iniciados nos Estados Unidos, após a morte de George Floyd. Mas esse era um processo que já vinha sendo discutido pela sociedade britânica. Sem estardalhaço. Na esteira do movimento americano, ainda em junho, a estátua do traficante de escravos Edward Colston foi derrubada durante um protesto antirracismo em Bristol, no sudoeste da Inglaterra. Outras estátuas estão sendo retiradas de locais de destaque na capital e, fora dela desde então. Escolas e outras instituições também devem ser rebatizadas. Mas é possível que isso tudo leve tempo. Afinal, parte importante desse legado do período colonial é quase indissociável da glória imperial e da história do Reino Unido.

É cedo para dizer se os britânicos tomaram um caminho sem volta. Mas o contexto é muito favorável e essa discussão não começou agora. O que está acontecendo hoje no país é um choque desse passado com uma sociedade que é profundamente liberal. Embora haja traços de conservadorismo muito presentes de outra natureza, a discriminação e o racismo são hoje inadmissíveis, mais do que se pode suspeitar.

Personagens de um capítulo controverso da história britânica vão perdendo espaço na paisagem local. Nomes e rostos vinculados ao período do colonialismo e da escravidão são questionados em todo o país. Esta semana, a empresa que administra o distrito financeiro de Londres — criada ela própria como parte daquela engrenagem — resolveu consultar à população sobre o que fazer com monumentos que carregam as manchas desse passado.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.