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Hip hop faz 50 anos: Como o rap francês se tornou uma potência do gênero

Todos os historiadores da música concordam que o nascimento da cultura hip hop aconteceu em 11 de agosto de 1973 em um apartamento no Bronx, um bairro da cidade de Nova York. Desde então, o movimento passou por cinco décadas de intensa renovação e influenciou uma infinidade de músicos em todo o mundo. Um país onde ele decolou com um tom todo especial foi a França, onde o rap, um de seus pilares, se aproveitou de uma longa tradição literária, apaixonada pelas palavras.

Os rappers franceses Colt e Solo, do Assassin, com Dehi, Joeystarr e Kool Shen, do NTM.
Os rappers franceses Colt e Solo, do Assassin, com Dehi, Joeystarr e Kool Shen, do NTM. Yoshi Omori
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Naquela fatídica noite no Bronx, Clive Campbell, nascido na Jamaica, e mais conhecido como DJ Kool Herc, foi à festa de sua irmã, onde DJs de funk e soul, produtores e aspirantes a grafiteiros se reuniram. E ele mixou dois discos juntos, adicionando batidas de uma faixa aos ritmos de outra. 

É claro que o movimento não nasceu totalmente em um dia. Ele se originou lentamente de diferentes tipos de música negra (do soul ao rhythm and blues), da influência de pioneiros do spoken word, como os Last Poets com Gil Scott-Heron, e muitos DJs.

De acordo com o crítico musical britânico Dorian Lynskey, o gigante do rap norte-americano Chuck D, do Public Enemy, sempre associou esses poetas ao nascimento do hip hop, como as "raízes do rap".

O dia 11 de agosto de 1973 ainda permanece como um momento simbólico, quando teria ocorrido então a primeira festa de hip hop.

Ja Rule, Ashanti e Jadakiss posam com convidados na comemoração do 50º aniversário do hip-hop no Empire State Building em 10 de agosto de 2023 na cidade de Nova York.
Ja Rule, Ashanti e Jadakiss posam com convidados na comemoração do 50º aniversário do hip-hop no Empire State Building em 10 de agosto de 2023 na cidade de Nova York. Getty Images via AFP - JOHN LAMPARSKI

E é por isso que a data é celebrada em todo o mundo este ano com eventos comemorativos e exposições, de Nova York à Filadélfia, passando por Bristol, no oeste da Inglaterra, e Paris, na França.

O que tornou o gênero único foi o uso do que é conhecido como os seus quatro pilares: os DJs e suas mesas de mixagem, o rap, a breakdance e o grafite.

Logo, o hip hop tomou conta das costas leste e oeste dos EUA, mas, no início da década de 1980, também inspirou produtores underground no Reino Unido e na França.

E surge o hip hop francês

O hip hop norte-americano ainda não havia entrado no mainstream quando atingiu os jovens dos subúrbios franceses, que sentiram uma afinidade com as fortes mensagens sociais e políticas vindas dos guetos negros dos EUA.

No início da década de 1980, alguns pioneiros fizeram com que o rap desenvolvesse algumas raízes gaulesas, incluindo Mathias Cassel, conhecido como Rockin' Squat, que formou o grupo parisiense Assassin, e Philippe Fragione, conhecido como Akhenaton, um dos vocalistas do grupo I AM, de Marselha. Ambos passaram um tempo nos EUA, onde dizem ter ficado impressionados com a cultura do hip hop.

O cantor de hip-hop francês MC Solaar esteve em Nova York para a Fête de la musique 2022. Na foto, ele está no festival Rock Oz'Arenes em Avenches, Suíça, em 2008.
O cantor de hip-hop francês MC Solaar esteve em Nova York para a Fête de la musique 2022. Na foto, ele está no festival Rock Oz'Arenes em Avenches, Suíça, em 2008. AP - ENNIO LEANZA

A partir daí, todo um movimento cresceu na França, promovendo quatro décadas de rap francês, incluindo bandas famosas como La Rumeur e NTM, mas também MC Solaar e, mais recentemente, JUL.

"O rap francês é definitivamente o segundo [mais importante] no mundo do rap", disse o autor e especialista em rap francês Olivier Cachin à RFI

"Tudo começou no início dos anos 1980, quando o DJ Dee Nasty lançou seu programa de rádio na Radio Nova, em Paris", acrescentou.

"Uma faixa provavelmente teve a maior influência de todas: 'Rapper's Delight', do The Sugar Hill Gang. Ela se tornou um enorme sucesso em todo o mundo e influenciou muitos jovens", conta.

Na França, alguns ativistas realmente se dedicaram a isso e viajaram para os EUA nos anos 80 para mergulhar nessa cultura, especialmente Dee Nasty, Akhenaton e Rockin' Squat, e a adaptaram para o idioma francês, lembra.

"No meu aniversário de 12 anos, em 1980, um dos meus melhores amigos me deu um EP do Sugar Hill Gang, 'Jam Jam'... Tivemos uma sorte incrível em Marselha. Em 1980/81, tivemos shows que tocavam funk e rap. Comecei a ouvir rap freneticamente porque havia o programa Starting Black de Philippe Subrini na Radio Star", recordou Akhenaton em uma entrevista para a RFI. "Era incrível. A história do rap em Marselha é diferente da de Paris, não foram os mesmos atores. Como em Lyon, foi uma evolução paralela: havia Dee Rock, Poptronic, que faziam rap em francês e em inglês."

Ele afirma que essa descoberta mudou sua vida. "Eu disse a mim mesmo que poderíamos fazer rap em um idioma diferente do inglês, e isso ficou na minha mente. Meus primeiros raps em 1984 eram covers em inglês, eu fazia rap em seus textos nos lados B. E no final de 1984, escrevi meu primeiro texto em francês", detalhou.

Consciência social e rejeição inicial

Mas, a partir daí, levou tempo para o rap francês se desenvolver, disse Cachin, pois a grande mídia o rejeitou fortemente. "Na França, como um país muito literário, o verbo foi destacado", acrescentou. "E a parte do rap no hip hop decolou."

A compilação 'Rappattitude', lançada em 1990, mudou o jogo, mas o rap ainda era associado a gangues e violência na França, disse Cachin.

A primeira onda de hip hop se baseou em letras com forte engajamento social e político, especialmente com La Rumeur e Casey. 

Em meados da década de 1990, o rap literalmente explodiu, especialmente com o filme "La Haine", ambientado na banlieue - expressão usada em francês para descrever alguns bairros de periferia onde se concentram muitos conjuntos habitacionais - e com faixas de rap.

Dirigido por Mathieu Kassovitz, foi lançado em 1995, estrelado por Vincent Cassel, irmão de Rockin' Squat.

A rapper francesa Casey.
A rapper francesa Casey. François Pinel

As novas estações de rádio e a Internet no início dos anos 2000 ofereceram ao hip hop plataformas maiores, permitindo que o rap se tornasse um dos gêneros de maior sucesso comercial na França, inclusive na venda de ingressos para shows.

"Hoje, o hip hop francês atinge uma gama muito ampla, desde uma tendência muito underground e politizada até uma tendência mais festeira, descontraída e comercial", disse Cachin. "Não há uma ideia abrangente do rap francês, são muitas tendências", acrescentou.

O hip hop deu origem a muitos movimentos no mundo, da Coreia do Sul ao Benin, passando pela Suécia. Mas a França e os subúrbios franceses em particular continuam sendo seu segundo lar.

"Até hoje, alguns rappers continuam engajados em questões sociais, especialmente contra a violência policial, mas não são a maioria", explicou Cachin. "O rap francês evoluiu para um estilo mais comercial, com vozes como JUL e o coletivo 13'Organisé, mas isso também é verdade nos EUA. Public Enemy, NTM e I AM eram de uma geração diferente."

"Ainda assim, a França continua sendo a segunda nação do hip hop no mundo", acrescentou.

As comemorações do cinquentenário da cultura hip hop estão programadas em vários países durante todo o mês de agosto.

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