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Coreógrafo brasileiro Volmir Cordeiro recebe prêmio da Sociedade de Autores e Compositores de Paris

Aos 34 anos, o coreógrafo e performer Volmir Cordeiro já acumula uma trajetória fulgurante na cena internacional. Vinte anos após se apaixonar pelo trabalho de Lia Rodrigues, ele agora vive uma dessas merecidas reviravoltas do destino: o artista compõe o elenco de convidados a se apresentarem no prestigiado Festival de Outono de Paris, numa homenagem à coreógrafa brasileira. Combo total, ele recebeu nesta quarta-feira (15) o tradicional prêmio da SACD na capital francesa.

No centro, o coreógrafo brasileiro recebe o prêmio de "Novo Talento Coreográfico" da Sociedade de Autores e Compositores de Paris (SACD) em 15 de setembro de 2021.
No centro, o coreógrafo brasileiro recebe o prêmio de "Novo Talento Coreográfico" da Sociedade de Autores e Compositores de Paris (SACD) em 15 de setembro de 2021. © Reprodução Instagram / volmircordeiro/
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Quem assiste ao vivo a força da presença de Volmir Cordeiro entende, durante os minutos que duram suas performances, a capacidade do artista em ressignificar corpos, espaços, sons e transliterações poéticas. Foi assim em "Rua", trabalho que estreou em 2015 no museu do Louvre em Paris, reapresentado numa seleção especial no Passages Transfestival de Metz, no início de setembro. Será certamente assim em "Metropole", sua nova criação, cujas arestas ele não arrendonda - mas afia - para suas próximas apresentações dentro do "Portrait Lia Rodrigues", no Festival de Outono de Paris.

O prêmio da Sociedade de Autores e Compositores Dramáticos de Paris, a tradicional SACD - Novo Talento Coreográfico - recebido nesta quarta-feira (15), coroa um percurso que começou com a fascinação de um adolescente de 14 anos, numa pequena cidade do interior de Santa Catarina, pela potência do trabalho de Lia Rodrigues, cuja companhia ele integraria mais tarde.

Coincidência ou não, ambos os trabalhos falam sobre violência no espaço público. "Esse projeto é dividido em três partes, praticamente duas partes e um resíduo no final", conta. "Abordo primeiro a circulação do ódio, essa figura do necropolítico. De alguma forma, para mim, a Necrópole também é a Metrópole, uma cidade que está organizando a morte, está decidindo quem morre e através de quais meios", analisa.

"Existe esse figura monstruosa da Metrópole que estupra, mata, cospe. É um trabalho que me exige uma energia louca e muito nova, estou encarnando também a figura do 'Pai', essa voz toda-poderosa masculina. É também uma maneira de evacuar a minha relação com o patriarcado, e com meu pai. E, num segundo tempo, chagaríamos num processo de revolução, que é treinar o corpo para se preparar para a revolta", diz. "Abordo a revolta do ponto de vista do treino, para trazer a doçura e uma revolução que pode ser feita com candura, com amizade, com proximidade", sublinha o artista.

Revolução & amor

O coreógrafo Volmir Cordeiro.
O coreógrafo Volmir Cordeiro. © Philippe Mangeot

Revolução e amor, dissidência e afeto, é o que prega também um dos papas da filosofia contemporânea, Paul B. Preciado, intelectual espanhol trans que programou Volmir Cordeiro com um "rascunho do que se transformaria em Metropole", o então chamado "Embrassons-nous", apresentado durante a série de conferências de Preciado em 2020 no Centro Pompidou de Paris - "Uma Nova História da Sexualidade".

"Tive contato pela primeira vez com o Paul no Observatoire du Patient do [presidente da Act-Up Paris] Phillipe Mangeot, e foi aí que a gente se conheceu para falar da 'Passion d'être un autre' ('Paixão em ser um outro', em tradução livre). Depois o Paul me escreveu para eu criar uma dança para começar uma revolução. Foi um email muito curto, onde ele me convidava para fazer parte do simpósio", lembra.

"Esse trabalho fazia a constatação de um estado de guerra, de conflito, dentro da problemática de uma dominação, para em seguida propor o começo de uma revolução", lembra Cordeiro. 

De Concórdia para o mundo

"Trottoir", de Volmir Cordeiro.
"Trottoir", de Volmir Cordeiro. © Fernanda Tafner

Volmir Cordeiro integra o mundo das artes cênicas desde os 12 anos de idade, quando já fazia parte de uma companhia de teatro no interior de Santa Catarina, na pequena Concórida, município de 75 mil habitantes [IBGE, 2019]. "Vi a Lia Rodrigues aos 14 anos e depois dancei essa mesma peça do ano 2000 dela - 'Aquilo de que somos feitos' - no Rio, quando tinha 20 anos, já na companhia dela. Durante as turnês na Europa, descobri um mestrado que me interessava e, como sempre tive esse vínculo universitário muito forte no Brasil, queria ser professor universitário e queria produzir arte na universidade, trabalhando com pedagogia", conta.

"A ideia era fazer esse mestrado, que era muito interessante, misturando teoria e prática, e depois voltar para o Brasil e prestar concurso público. Mas, dentro do mestrado, como é comum na França, a gente já criava os primeiros trabalhos e eu já fui programado de cara com 'Céu', esse primeiro espetáculo que teve visibilidade na França. O 'Céu' teve reconhecimento e fui para o doutorado depois. Queria continuar a pesquisa sobre obras de artistas brasileiros, mas ao mesmo tempo fui mantendo esse vaivém entre a universidade e os palcos", lembra.

Para o coreógrafo, o prêmio da SACD de Paris é um "marco para agradecer e abraçar todas as pessoas e todas as equipes com as quais eu trabalhei". "Estou nesse momento de celebrar coletivamente e agradecer todas as pessoas desde Concórdia, na cidadezinha do interior, até chegar em Paris. É hora de agradecer essa rede de afetos e de pessoas que solidificaram a confiança com muito trabalho. Acho que ainda nem consegui sentir os efeitos desse prêmio que recebi", conta. "Mas é claro que aumenta a visibilidade e é um signo de reconhecimento importante", diz o coreógrafo.

"Sinto o reconhecimento com esse prêmio sim, porque é muito duro. Tem uma exigência. Eu me lembro de chegar na França em 2011 e todos os empecilhos, as maneiras de pensar, a dramaturgia de pensar o que faz um espetáculo, de que corpo é possível dispor, de que tipo de legibilidade pode ter um trabalho, e tudo isso exerce uma grande pressão, porque naquele primeiro momento estamos muito subordinados a esse modelo. Demora muito tempo para criar minhas garras e os meus mecanismos de auto-defesa, para conseguir propor uma outra ideia de espetáculo, uma outra concepção do que pode ser uma dança, um corpo", afirma.

Volmir Cordeiro se apresenta do 10 ao 13 de novembro, e depois nos dias 23 e 24 de novembro com "Metropole', o novo trabalho dentro da programação do Festival de Outono de Paris.

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