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“Nós somos a distopia”, diz escritor brasileiro Joca Reiners Terron autor de a “Morte e o Meteoro”

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Joca Reiners Terron é escritor, dramaturgo, editor e designer gráfico. Ele é autor de vários livros de poemas, contos e sete romances. Seu último livro publicado no Brasil, “A Morte e o Meteoro” foi traduzido para o francês e chega às livrarias da França em 1° de outubro pela editora Zulma, com tradução de Dominique Nédellec.

Joca Reiners Terron
Joca Reiners Terron © https://www.zulma.fr
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O romance “A Morte e o Meteoro” narra a tentativa de exílio de índios isolados da Amazônia, os “Kaajapukugi”, que diante da destruição total da floresta e da extinção da tribo se refugiam no México. O resgate é elaborado por Boaventura, o último sertanista brasileiro, que morre em circunstâncias estranhas antes da viagem. A ação é concomitante a uma missão espacial chinesa a Marte. Todos esses ingredientes fazem de “A Morte e o Meteoro” uma aventura macabra e surpreendente, uma história entre passado e futuro, apocalíptica.

É o primeiro livro de Joca Reiners Terron publicado em francês. O escritor brasileiro, nascido em Cuiabá e que hoje mora em São Paulo, não pôde vir à França participar da promoção da versão francesa devido à pandemia. Nesta entrevista à RFI, ele considera que o interesse da editora pela publicação do romance veio também de uma “infeliz coincidência, pelo fato do livro estar tão afinado com as nossas desgraças atuais, desgraças ecológicas e políticas”.

Os Kaajapukugi

Kaajapukugi é um nome inventando. A história desse povo isolado, sua língua, costumes e rituais religiosos, são muito bem descritos. “Tudo inventado”, ri Joca Reiners Terron, que se inspirou nas características dos povos brasileiros isolados existentes, mas pouco conhecidos. “Precisava para efeito da minha narrativa que esse povo isolado fosse absolutamente desconhecido. Portanto, me pareceu mais sensato, responsável e também mais divertido de inventar o povo Kaajakupuji”.

O escritor lembra que a “cosmogonia” dos povos originários têm muitas semelhanças e algumas delas têm a ver com “a origem se dando através da chegada de alguém. Aquela coisa de ‘Eram os Deuses Astronautas’”.

Livro do autor Joca Reiners Terron
Livro do autor Joca Reiners Terron © zulma.fr

Encarnação do mal

“A morte e o Meteoro” é um livro sobre várias extinções ou uma extinção total. Até o personagem que seria o salvador, que é o sertanista Boaventura, foi o responsável pela sina dos Kaajapukugi. O mal que o personagem encarna seria o ponto central do livro.

“O Boaventura é um exemplo bastante infeliz de que o inferno está cheio de boas intenções. Ele é um equivocado. Um representante de parte substancial da antropologia europeia que procurou entrar em contato com povos indígenas. Muitas tragédias foram causadas em decorrência desse princípio, cujo gatilho foi disparado pelo processo colonial”, avalia Terron.

No livro, Boaventura leva uma flechada dos Kaajapukugi assim como recentemente, na vida real, um funcionário da Funai foi atingido por uma flecha por índios isolados e infelizmente morreu. Antecipação? Para o escritor, muitas pessoas acreditam que podem “beneficiar os indígenas, sendo que eles não precisam de nenhum benefício. Eles precisam ser deixados em paz”.

Tempo cíclico

A aventura é macabra, mas a prosa vigorosa de Joca Reiners Terron produz um efeito literário surpreendente. No romance, há o paralelo entre a destruição do planeta e a exploração chinesa de Marte. E no meio disso tudo a crença indígena de um mundo circular, do terceiro céu. O tempo é cíclico, mas Terron diz que essa não é uma perspectiva positiva. “Temos que rever nossa noção de otimismo. Para nós, ser otimistas seria a humanidade sobreviver. Mas para o planeta, me parece que a noção de otimismo tem a ver com a extinção da raça humana porque afinal de contas somos o carrapato desse planeta”.

A palavra distopia, que está na moda no Brasil e que Joca Reiners Terron lamenta ter contribuído para a sua propagação no país, não serve, segundo ele, para classificar “A Morte e o Meteoro”. “Meu livro é um representante da ficção brasileira. A distopia como gênero, ou subgênero da ficção científica, talvez caiba num país desenvolvido. Para algo dar errado na utopia, para ela ser revertida, é necessário que a civilização tenha se desenvolvido em algum ponto e não é, infelizmente, o caso brasileiro. Nós somos a distopia”, afirma.

No entanto, o escritor pensa que se o Brasil sobreviver, ele terá “algo a ensinar ao mundo, algo que é fruto dessa mistura maluca que esse país representa, da perspectiva original que nasceu dessa visão e dessa mestiçagem”, conclui.

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