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Para além de Bob Marley e do reggae, música jamaicana é tema de exposição

Mostrar a música jamaicana para além do ícone Bob Marley e do reggae. É esse o objetivo da exposição “Jamaica Jamaica!”, em cartaz até o dia 13 de agosto na Philharmonie de Paris, a moderna sala de concerto projetada pelo arquiteto Jean Nouvel no parque La Villette (nordeste da capital francesa)

Pintrura do artista jamaicano Leasho Johnson e instalação do alemão Nik Nowak
Pintrura do artista jamaicano Leasho Johnson e instalação do alemão Nik Nowak Augusto Pinheiro/RFI
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Dividida em sete espaços temáticos, a mostra expõe, em um percurso cronológico, a evolução musical e política da ilha caribenha, ex-colônia espanhola e inglesa, que conquistou a independência em 1962.

“Minha ideia ao conceber a exposição era revelar a riqueza rítmica do país, tudo o que eles inventaram, principalmente em relação com a música atual, como o rap e o electro, e mostrar que não há apenas Bob Marley. Ao mesmo tempo, sua condição de ícone internacional e universal permitiu a divulgação de outros estilos. Os jamaicanos já criam música há três séculos”, explicou à RFI o curador Sébastien Carayol, que também realizou as exposições “Say What? O Culto do Sound System”, em 2013, no centro cultural Gaîté Lyrique (Paris), e “Hometown Hi-Fi”, em 2014, no estúdio Sonos, em Los Angeles (EUA).

“Jamaica Jamaica!” reúne objetos, instrumentos, quadros, fotografias e vídeos raros, pertencentes a coleções particulares e de museus da Jamaica, dos EUA e do Reino Unido. A garimpagem foi realizada in loco pelo curador, durante dois anos e meio de pesquisa. “Eu já conhecia algumas coleções, principalmente do museu de Seattle e algumas particulares no Reino Unido e nos Estados Unidos. Mas eu queria convidar a Jamaica a se mostrar. Então eu fui ao país procurar museus e colecionadores. Foi um trabalho bastante longo”, conta.

Sala reproduz o mítico Studio One
Sala reproduz o mítico Studio One Augusto Pinheiro/RFI

Ele percebeu que “os jamaicanos desejam mostrar seu patrimônio musical”. “Eles entenderam que se trata de uma das principais riquezas do país. Eu visitei o estúdio One, que é mítico na história da música jamaicana e que nunca havia emprestado nada para uma exposição. Como eu conhecia as filhas do produtor, o falecido Sir Coxsone, consegui convencê-las a participar da mostra para colocar em evidência o seu patrimônio.”

O resultado é uma pequena reconstituição do estúdio, que é frequentemente comparado à gravadora norte-americana Motown, devido à sua grande contribuição para a música jamaicana. Passaram por lá, desde os anos 1950, artistas de vários estilos, como The Wailers (primeiro grupo de Bob Marley), Ken Boothe, The Skatalites, Marcia Griffiths, The Heptones, Johnny Osbourne, The Gladiators, Dennis Brown, Sugar Minott e The Wailing Souls.

História social e política

Na entrada da exposição, o visitante recebe um fone de ouvido para acoplar em diversos pontos da exposição e escutar canções dos mais diversos ritmos, como burru, revival, mento, ska, rocksteady, reggae, dub e dancehall. Painéis explicam a origem e as características desses estilos, além de sua conexão com os eventos do país.

“É importante mostrar a história social e política porque ela está ligada ao que representa a música desde o século 17. E, para explicar para o público porque sempre escutamos falar de Jah, de rastafári nas faixas, é importante mostrar personagens e fatos históricos e a sua importância nos movimentos de liberação da consciência negra, para os jamaicanos e para o mundo inteiro”, diz Carayol.

Capas de discos originais
Capas de discos originais Augusto Pinheiro/RFI

O ska, por exemplo, surge no contexto pós-independência, nos anos 1960, celebrando com entusiasmo e otimismo o orgulho de ser mestres do próprio destino. Musicalmente, o ritmo mistura tradições locais com o r&b e o jazz. O principal nome do gênero foi o grupo The Skatalites, formado na escola Alpha Boys, destinada a garotos pobres e órfãos.

O espaço “Black Man Time” mostra a trajetória de dois grandes nomes frequentemente presentes em canções jamaicanas: o ativista jamaicano Marcus Garvey e o imperador etíope Hailë Sélassié. O primeiro é considerado um dos pais do nacionalismo negro e figura importante do pan-africanismo (movimento que propõe a união de todos os povos da África).

Já Sélassié representa a resistência à opressão e à colonização. Coroado em 1930, ele se tornou a encarnação de Deus para o rastafaranismo, movimento espiritual e filosófico jamaicano, promovido e adotado por vários músicos de reggae. Um filme mostra a comoção provocada pela visita do imperador etíope a Kingston em 1966.

Cultura do sound system

O aspecto visual da exposição, com cenografia da empresa Encore Hereux, é extremamente rico e conta com street art de Kingston, capital da Jamaica, capas de discos, flyers e pinturas. Uma série de fotografias em preto e branco, batizada de “Many Moods of Bob Marley” (os muitos humores de Bob Marley), mostra o cantor em diferentes situações, como sentado tocando violão ou deitado em uma cama com o olhar fixo na câmera.

Uma grande pintura fluorescente do artista jamaicano Leasho Johnson dialoga com a obra do americano Keith Haring e mostra personagens em cenas provocantes durante uma balada dancehall. Na mesma sala, a última do percurso, a instalação “Panzer”, do artista alemão Nik Nowak, representa um sound system em forma de tanque de guerra. O DJ jamaicano Neil Case criou uma trilha sonora específica para o aparelho, com suas faixas preferidas de dance hall, dos anos 1980 até a atualidade.

Visitante manipula som de um sound system
Visitante manipula som de um sound system Augusto Pinheiro/RFI

Os sound systems (sistemas de som) são conjuntos de caixas de som, amplificadores e pick-ups, utilizados para tocar música, normalmente em espaços abertos. O curador compara essa parte da cultura jamaicana com as "aparelhagens", típicas de Belém do Pará, cidade que ele visitou para realizar um documentário sobre o fenômeno para o canal franco-alemão Arte.

Na sala “Dub It Yourself”, o visitante pode escolher em um monitor táctil uma música para tocar no sound system criado pelo inglês Paul Axis. Depois, pode manipular botões que permitem mudar os sons graves e agudos ou mesmo tocar o som de uma sirene. “Queria que as pessoas tivessem essa experiência interativa. Antigamente eu mesmo não gostava muito de reggae, até o dia em que eu ouvi o ritmo em um sound system. Foi uma epifania, uma revelação”, conta o curador, que frequentou durante 20 anos o bairro jamaicano de Brixton, no sul de Londres.

"Sinto-me na Jamaica"

O visitante francês Simon, 32, proprietário de uma loja de discos em Ardennes (nordeste da França), disse que gostou muito dos sound systems expostos. "Além disso, ver as capas dos discos originais me faz viajar no tempo, me emociona”, conta. O estudante de cinema brasileiro Francisco Barros, 21, visitava a exposição com o pai. “É muito completa, tem uma base histórica forte, bem informativa”, opina. Para ele, a religiosidade e a musicalidade jamaicanas lembram o Brasil. “Parece a nossa história do samba e do candomblé.”

Colette Michelin, 72, aposentada, conta que se interessa pela Jamaica e pela sua sua música há 40 anos. “Estou gostando da atmosfera da exposição, é autêntica, me lembra muito o país, que já visitei uma vez. O que mais me impressionou foi a qualidade dos vídeos”, diz a francesa, que já tem uma segunda viagem programada à Jamaica. Entre os filmes expostos, estão trechos de shows e um ensaio raro de Bob Marley com o The Wailers. A guia cultural Angeline, 27, disse que estava descobrindo um universo novo. “Não conhecia muito sobre a cena musical jamaicana. Estou gostando do ambiente, das cores, me sinto na Jamaica.”

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