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Seus criadores não sobreviveram a Auschwitz, mas a ópera "O Imperador de Atlantis" é um comovente exemplo da capacidade da arte de transcender mesmo as condições de vida atrozes dos campos de concentração nazistas. Uma nova montagem atualmente em cartaz em Paris valoriza a força poética da obra. O Agenda Europa desta semana também fala da nova versão do conto "O Segredo de Brokeback Mountain", sobre a paixão entre dois cowboys. Depois de virar um filme de sucesso, a história vai render uma ópera.

Cena da ópera "O Imperador de Atlantis".
Cena da ópera "O Imperador de Atlantis". © Nathaniel Baruch
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O campo de concentração de Theresienstadt, perto de Praga, era apresentado pelos nazistas como uma colônia modelo para os judeus. Tudo foi planejado para dar uma boa impressão aos representantes da Cruz Vermelha e outros observadores estrangeiros. O local foi também cenário para um filme de propaganda. Na verdade, milhares de prisioneiros esperavam ali o momento de serem deportados para Auschwitz e outros campos de extermínio do leste da Europa.

Os internos de Theresienstadt viviam uma estranha exceção. Depois de trabalharem o dia inteiro praticamente sem comer, tinham a permissão de fazer arte: tocar música, apresentar peças de teatro, criar obras originais com os poucos meios de que dispunham.

Um dos artistas mais ativos no campo foi o compositor tcheco Viktor Ullmann. Sua comovente ópera "O Imperador de Atlantis" foi concebida em 1943 em colaboração com o libretista Petr Kien, jovem poeta e pintor tcheco.

"Fiquei muito emocionada com a poesia tão intensa e fulgurante dessa obra. Essa é a força que a arte tinha naquele momento da História e que ajudou alguns prisioneiros dos campos de concentração a sobreviverem. Tive vontade de compartilhar isso com o público", diz a diretora de teatro Louise Moaty, que assina uma montagem da ópera atualmente em cartaz em Paris.

Condições extremas

O espetáculo foi ensaiado em porões gelados e sombrios, por uma trupe de cantores e músicos periodicamente reduzida por sucessivas deportações. Essas condições extremas deixaram vestígios na estrutura da obra. "Há poucos músicos, e sobretudo instrumentos incomuns, como um banjo e um saxofone. A música foi composta de acordo com os artistas e instrumentos que podiam ser encontrados no campo", explica a diretora.

"A própria partitura tem as marcas da censura e, ao mesmo tempo, da deportação de certos músicos para os campos de extermínio no leste da Europa. Por exemplo, a partir de um certo momento a flauta foi substituída por um clarinete. Isso signica que o flautista foi deportado. E algumas folhas da partitura eram na verdade fichas administrativas de pessoas que haviam sido deportadas. Como o papel era escasso, elas foram reutilizadas", acrescenta ela.

Compositor de vanguarda, discípulo de Schönberg, Viktor Ulmann criou uma partitura para cinco cantores e treze instrumentos cheia de citações, da música lírica ao hino nacional alemão."O Imperador de Atlantis" nunca chegou a ser encenada em Theresienstadt , provavelmente censurada pelos administradores do campo. O compositor, o libretista e outros artistas da trupe acabaram deportados para Auschwitz. Redescoberta trinta anos depois, a ópera foi apresentada ao público pela primeira vez somente em 1975.

O libreto conta a história do tirânico imperador Overall, que reina sobre o mundo inteiro e declara a guerra de todos contra todos. "O contexto está presente, mas a obra transcende o real para criar uma fábula, algo mais onírico. Esse imperador que declara a guerra de todos contra todos decide instrumentalizar a morte. E foi isso o que aconteceu no Holocausto, porque a morte foi não somente instrumentalizada, mas industrializada. Na ópera a Morte se rebela contra isso e decide parar de fazer os homens morrerem", descreve Louise Moaty.

Em sua montagem, ela tenta fazer das inevitáveis referências ao Holocausto elementos que valorizem a força poética do texto. Um exemplo é o uso de velhos pára-quedas para compor um cenário sóbrio mas eficaz. A direção musical do espetáculo é de Philippe Nahon. A ópera "O Imperador de Atlantis" pode ser vista no teatro de l'Athénee em Paris até 30 de janeiro, e depois parte em turnê pela França.

Cenas da ópera "O Imperador de Atlantis"

Paixão proibida

Ao mostrar a trágica paixão proibida entre dois cowboys do oeste americano, o filme "O Segredo de Brokeback Mountain", do cineasta Ang Lee, foi um sucesso de bilheteria. O longa adaptado de um conto da escritora americana Annie Proulx ganhou vários prêmios internacionais.

O compositor americano Charles Wuorinen viu no filme material para uma ópera. O libreto foi escrito pela própria Annie Proulx e enfatiza a natureza selvagem do Wyoming, onde o conto é ambientado. Durante o espetáculo são projetadas imagens gravadas nas montanhas que inspiraram a história, uma sombra ameaçadora que pesa sobre os personagens.

Os protagonistas são interpretados por dois cantores americanos, Daniel Okulitch e Tom Randle. O diretor de cena, Ivo van Hove, descarta qualquer comparação com o filme, apontando que o papel das mulheres dos dois cowboys e da sociedade em que eles vivem é muito mais importante nesta nova versão da história.

O espetáculo tem estreia mundial na próxima terça-feira no Teatro Real de Madri, onde poderá ser visto até 11 de fevereiro.

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