Acessar o conteúdo principal

Conferência de terraplanistas na Itália acusa “poderosos” de tentar “negar Deus”

Terraplanistas italianos se reuniram neste domingo (12) em Palermo, na Sicília, para a conferência “Terraplana: toda a verdade”. Em duas sessões, pela manhã e à tarde, três oradores abordaram temas como “Tartária, império esquecido dos gigantes” , noções básicas sobre “Astronomia Zetética”, “A conquista da Lua: 50 anos de enganos” e “A órbita do Sol em espiral na Terra plana".

Quanto mais apego à religião, maior a negação da ciência, explica físico.
Quanto mais apego à religião, maior a negação da ciência, explica físico. Reprodução/ Shutterstock
Publicidade

Gina Marques, correspondente da RFI em Roma

Galuppini é formado em Ciências Agrícolas e trabalha como agricultor. Favari é graduado em Engenharia, mas não gosta de falar sobre si: “Não vou dizer nada sobre o que faço na vida", afirmou, assim como Greco, que se recusou a informar qual é a sua profissão. "A única coisa que importa é que a Terra é plana", indicou.

Os três palestrantes eram os sicilianos Agostino Favari, Calogero Greco e o albino Galuppini, de Brescia. Para poder assistir à conferência, eles cobraram de cada participante € 20 euros, incluindo aos jornalistas. "Se você quiser ouvir nossas teorias, você tem que pagar", avisaram antes do início da palestra.

Os argumentos

"Hoje vamos mostrar a vocês por que a Terra é plana através da descoberta de novos territórios que vão além do polo norte”, disse Greco, na abertura. Segundo eles, o polo norte é uma invenção geográfica porque ele está localizado no centro da Terra plana, e não no extremo.

“Como explicar então a possibilidade de viajar entre um polo e outro? A prova é que não se pode fazer esta viagem porque o Tratado da Antártica proíbe. Portanto, há algo escondido nesta proibição. Outro exemplo é que dizem que é possível voar verticalmente, mas ninguém pode decolar sem uma autorização da torre de controle", explicou Favari.

Para convencer o mundo de suas convicções de terraplanismo, eles mencionavam constantemente “as teorias conspiratórias organizadas por poderes fortes”. “Os astronautas são atores, a NASA é como a Disneylândia. A circunavegação da Terra é uma ilusão. A força da gravidade não existe. A prova de que a Terra é plana está em uma garrafa cheia: basta colocá-la horizontalmente para perceber que a água nunca se curva”, evocaram. “Essa história que a Terra é esférica foi tramada por um movimento subterrâneo que quer negar a existência de Deus.”

O público

Pela curiosidade que o tema desperta, a conferência contou com mais destaque na mídia italiana do que participantes. Apenas 50 pessoas se inscreveram e somente cinco delas disseram acreditar que a Terra é realmente plana. Os demais eram jornalistas e curiosos que vieram de diversas regiões da Itália para passar o fim de semana na Sicília ou simplesmente se divertir.

Eliana Urbano Raimondi, de 24 anos, formada em educação artística e curadora de exposições, escolheu passar o domingo na conferência em Palermo. "As teorias sobre a Terra plana sempre me fascinaram. Eu gosto de ir contra a corrente, contra argumentos preestabelecidos que o sistema nos propõe", disse a jovem, explicando que “o nosso planeta pode ser como o pingente plano do seu colar”.

Entre as teses defendidas pelos organizadores, a existência de gigantes é uma hipótese que desperta a curiosidade de Eliana. "A construção de alguns monumentos, como as pirâmides egípcias, fazem pensar. De acordo com alguns, poderia ser o trabalho de ciclopes ou tecnologias não humanas", relatou.

Na pequena sala de conferências do Hotel Garibaldi, quase lotada, havia muitos céticos, como Marco Guzzio, 38 anos, formado em História e Filosofia. Ele decidiu participar com a única intenção de documentar o evento. "Eu ouvi esses boatos há anos, como uma realidade distante e diáfana, mas uma vez que eu tive a chance, acho que é meu dever dar uma cara a estas palavras."

Outras pessoas apareceram de manhã cedo apenas para se divertirem, como Vincenzo Tura e Francesco Sinacori. “Somos parte de uma equipe de criadores de fantasia e queríamos trazer cerca de dez pessoas. No final, pagar € 20 euros valeu a pena porque foi uma ocasião em que rimos tempo todo.”

Recentemente, Beppe Grillo, comediante e fundador do Movimento 5 Estrelas, partido antissistema no governo da Itália, disse que iria à conferência. "Nós não o convidamos, mas se ele vier, ele vai pagar", disseram os organizadores, ao explicar que não admitiriam que o evento se transformasse em comício político em vista das eleições para o Parlamento Europeu, no fim deste mês. Na última hora, Grillo cancelou a sua participação.

Explicações do fenômeno dos terraplanistas

Apesar do matemático e astrônomo grego Eratóstenes de Cirene ter calculado que a Terra é esférica, em 240 a.C, muitas pessoas ainda hoje acreditam no terraplanismo.

O professor Andrea Aparo von Flüe, docente de Física na Universidade de Roma, explicou alguns motivos que levam os terraplanistas a negar as evidências: “Aceitar as principais descobertas científicas, sua história, requer a rejeição de uma narrativa existente. Este é o caso da evolução no contexto das interpretações fundamentalistas da Bíblia. Para aqueles que acreditam ‘literalmente’ na história de Gênesis, aceitar a evolução requer a rejeição da visão de mundo ditada pela Bíblia”, esclarece.

“É essencial manter a coerência e integridade da narrativa ortodoxa, em um esforço de purificação ideológica. Não importa quão esmagadora seja a evidência científica. Por exemplo, é desnecessário explicar a Daniel que o leão vai matá-lo. Deus está com ele. É a fé contra as evidências experimentais. A teologia versus a ciência. A teologia e a fé sempre vencem”, afirmou o físico.

Segundo ele, outra razão para rejeitar as narrativas científicas é não considerar qualquer valor científico porque não se pertence à comunidade que as originou. “No mundo de hoje, há muito conhecimento e nós temos tão pouco disso individualmente que não nos consideramos significativos, com um sentimento de falta de controle de nossa vida que alimenta a crença em teorias da conspiração”, explicou o professor.

Aparo alertou também para os perigos dessa vertente, como o movimento antivacinas. “Esse movimento tem levado milhares de pessoas a deixar de vacinar seus filhos, causando o ressurgimento de doenças que estavam sob controle, como o sarampo. Outro grande dano em negar as provas científicas são os efeitos colaterais das mudanças climáticas”, ressaltou.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.