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Grandes reformas no Brasil não passam no Congresso sem mobilização social, avaliam brasilianistas

Após os primeiros quatro meses de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as dificuldades para conseguir apoio legislativo para aprovar no Congresso mudanças prometidas na campanham indicam que reformas importantes, como a tributária, não serão aprovadas sem mobilização social. Esta é a avaliação de brasilianistas reunidos nesta segunda-feira (17) no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica) em Paris.

Sessão da Câmara dos Deputados presidida por Arthur Lira (PP-AL)
Sessão da Câmara dos Deputados presidida por Arthur Lira (PP-AL) © Bruno Spada/Câmara dos Deputados
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O balanço sobre os principais desafios que precisam ser enfrentados pelo governo Lula em seu terceiro mandato e as ações que começam a ser tomadas é pessimista para as políticas econômicas, ambientais e sociais. Para brasilianistas franceses, o conservadorismo do Congresso aliado a disputas entre o modelo econômico atual do país e as ações de justiça ambiental e social vai continuar a travar reformas estruturais necessárias no Brasil.

A única forma de desfazer este nó, segundo os pesquisadores, seria a mobilização social para pressionar o Congresso.

Arcabouço fiscal é detalhe que não muda estrutura

Apesar dos ânimos em torno do projeto de lei do novo arcabouço fiscal, que será entregue nesta terça-feira (18) pelo Ministério da Fazenda ao Congresso, o economista Pierre Salama, professor emérito da Universidade Sorbonne Paris Nord, considera que o marco não provocará mudança fundamental na trajetória econômica e de investimento social no país. 

Para ele, as mudanças reduzem algumas restrições para o gasto social, mas o que seria necessário é uma reforma que mexa nas receitas do governo para que, assim, possa realmente mudar o investimento em políticas públicas, afirma.

"A entrada de receita é a chave do problema, e por isso uma verdadeira reforma tributária seria necessária. Não só ampliar os impostos sobre renda e capital, mas não se tem nem essa discussão. A taxação de produtos primários exportados, como está sendo discutido na Argentina, não existe no Brasil. Esse debate poderia realmente melhorar os investimentos em saúde, educação, e nas políticas sociais", considera.

A demora do governo em apresentar propostas sobre a reforma tributária, segundo o pesquisador, mostra o cenário difícil do governo e reduz as possibilidades de aprovação.

"Sei por experiência política que as reformas mais difíceis precisam ser feitas no início do mandato. Não podem ser feitas depois de um ou dois anos. O que era dito pelo governo Lula é que seriam feitas reformas para taxar os dividendos de acionistas, impostos sobre produtos de luxo, retirada de isenções de impostos e isso seria a primeira etapa. Se para a primeira etapa, ele já parece ter dificuldade para passar, que dirá a segunda etapa. Eu acredito cada vez menos nisso", diz.

A força dos atores do mercado financeiro e dos exportadores agropecuários tanto na economia quanto no legislativo brasileiro é, em sua avaliação, a barreira para esse debate. 

Paradoxo

O diagnóstico coaduna com a leitura do geógrafo Phillipe Léna, pesquisador de Amazônia do IRD (Instituto de Pesquisas do Desenvolvimento, em português).

Léna salienta a existência de um paradoxo no centro do governo que, de um lado estimula e precisa do crescimento econômico gerado pela indústria agroexportadora e, de outro lado, se compromete com políticas e metas de justiça ambiental e social.

Para o pesquisador do IRD, as ações tomadas até agora pelo governo brasileiro vão na direção da retomada de políticas ambientais sérias, com o monitoramento de áreas desmatadas, a retomada das multas do Ibama e a operação contra garimpeiros no território ianomâmi, por exemplo. No entanto, Léna coloca em dúvida a capacidade do governo de tomar medidas estruturais, como a aprovação de regras mais restritas para o desmatamento e para o extrativismo.

O geógrafo lembra que parte da indústria agropecuária e também dos pequenos agricultores situados na Amazônia apostam no desmatamento, muitas vezes de áreas públicas, como forma de ganhar dinheiro fácil e rápido com a extração de recursos naturais sem custos financeiros, mas com graves consequências climáticas.

As mudanças de lei sobre exploração de recursos ou projetos que protejam áreas públicas sem destinação, segundo ele, têm chance zero de passarem no atual Congresso, ainda mais sem mobilização social.

Para o sociólogo Michael Löwy, da Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Paris, apenas a organização da sociedade em grupos de interesse social pode inverter a tendência conservadora dos ruralistas no legislativo.

"A Amazônia é uma questão planetária e, para isso, é preciso enfrentar o agrobusiness, o que é uma batalha violenta. Eles têm o poder político, no Congresso, o poder econômico, no PIB, e o poder das armas, considerando os grupos armados que pagam", explica Löwy. "É preciso mobilização social. O Brasil precisa de um novo modelo de desenvolvimento, que leve em conta a soberania alimentar. O país precisa se concentrar em produzir arroz e feijão a preços corretos para sua população, e não a soja que alimenta porcos de outros países", conclui.

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