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Invasão em Brasília queima definitivamente biografia de Bolsonaro, diz historiadora francesa

A invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília, na tarde de domingo (8), suscitou reações no mundo todo. Alguns especialistas analisam as consequências do episódio no futuro político do Brasil, enquanto outros se questionam sobre o impacto histórico desse ataque visando as instituições do país. Para Armelle Enders, historiadora francesa e professora da Universidade Paris 8, a tentativa de tomada dos prédios públicos pelos manifestantes bolsonaristas fere um patrimônio que vai bem além das fronteiras brasileiras, além de diminuir consideravelmente qualquer chance de volta de Jair Bolsonaro ao poder.

O ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, deixou o país antes mesmo do final de seu mandato.
O ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, deixou o país antes mesmo do final de seu mandato. © REUTERS/Adriano Machado
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RFI: Qual a sua reação ao ver a Praça dos Três Poderes sendo invadida?

Armelle Enders: Minha reação foi de tristeza e raiva diante do vandalismo. Diante do que isso significa em relação à democracia, ao Brasil, à cultura, ao patrimônio. Não somente do Brasil, mas da humanidade. Realmente, eu fiquei muito chocada. A invasão dos poderes em Brasília teve vários objetivos: primeiro, provocar o caos, para provocar finalmente uma intervenção dos militares, o que eu acho pouco provável no contexto. Mas também foi uma forma de vingança, de niilismo e de expressão pelo projeto político da destruição não somente das instituições, mas do Brasil. É uma forma também, para alguns apoiadores e interesses poderosos por trás do bolsonarismo, de entrar numa relação de força com o governo Lula, dizendo ‘estamos aqui, podemos ir e vamos tentar travar seu governo’.

RFI: Muito se questiona sobre a facilidade com que esses grupos invadiram os locais. É possível falar em conivência?

AE: A conivência é óbvia. A polícia demorou para intervir e, aparentemente, os apoiadores do Bolsonaro foram guiados até por policiais. E, segundo o que disse o ministro [Paulo] Pimenta, foram roubadas armas dentro do Palácio do Planalto. Algumas coisas mostram que tinha informações para os criminosos que invadiram os prédios. Então isso é óbvio. Além disso, teve o comportamento suspeito do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que virou o responsável pela Secretaria de Segurança Pública em Brasília, e que na véspera falou que tudo estava sob controle e que o protesto ia ser pacífico. Agora Anderson Torres está em Orlando, nos Estados Unidos, onde reside o ex-presidente Jair Bolsonaro. Tudo isso foi organizado e financiado. Por quem, ainda não se sabe exatamente. Mas a conspiração e a organização da sublevação é óbvia.

RFI: O que representa esse episódio para Lula logo na primeira semana de governo? Vai complicar sua tarefa ou vai depender da resposta dada a essa invasão?

AE: As duas coisas. É claro que complica qualquer tentativa de reconciliação. Além disso, tem um núcleo radical do bolsonarismo que pode ser isolado pelo acontecido, porque imagino que nem todo bolsonarista apoia esse tipo de comportamento. Acho que a violência e a depredação ao patrimônio público devem chocar bem além do campo democrático. Mas a resposta vamos ver [com o tempo]. Tem uma convocação do Congresso, e o que é significativo é que poucos governadores bolsonaristas aderiram a essa violência. Tem uma maioria da classe política e das instituições que está do lado do da legalidade.

RFI: Como historiadora, já é possível dizer o que representam os acontecimentos desse domingo, 8 de janeiro, para a história do Brasil?

AE: É difícil antever, mas com certeza é um marco. São acontecimentos gravíssimos e vão deixar uma marca na história do Brasil. Acho que, de uma certa forma, isso impede uma volta do Jair Bolsonaro à Presidência da República. Se um ex-presidente tem uma ligação pelo menos moral com o vandalismo e depredação da República e do patrimônio, acho que descarta, que queima a biografia dele definitivamente. Eu imagino que vai ter consequências contra Bolsonaro. Se ele fugiu para Miami é porque sabemos que tem muito medo da prisão. Então o que aconteceu ontem só pode piorar a situação dele em relação à justiça. Mas essa é uma pequena consequência. Acho que as consequências simbólicas e em termos políticos serão maiores do que o destino do ex-presidente.

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