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Quatro, sete ou oito anos: quanto tempo deve durar um mandato presidencial?

Manifestações numerosas nas ruas, pedindo a derrubada ou a demissão de presidentes, tornaram-se imagens frequentes pelo mundo nos últimos anos. Assim como debates sobre a paralisia dos governos diante das crises políticas. Neste contexto, propostas de mudança de tempo de mandato, proibição de reeleição do presidente e coordenação das datas de escolha do Congresso e do Executivo aparecem no debate, tanto na França como no Brasil. 

Cartaz em protesto das mulheres: ”Quem dera eu pudesse abortar meu governo”.
Cartaz em protesto das mulheres: ”Quem dera eu pudesse abortar meu governo”. © ©REUTERS/Kacper Pempel
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Na França, o presidente reeleito Emmanuel Macron (LREM) defende o aumento do mandato de cinco para sete anos. A regra, se aprovada, não valeria para seu governo, mas daria aos próximos chefes de Estado mais tempo para implementar suas políticas.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a prometer, em 2018, que apresentaria uma proposta para colocar fim à reeleição presidencial. Mas, terminando seu mandato, apresentou sua pré-candidatura e faz campanha para continuar no cargo.

Ainda em Brasília, na Câmara dos Deputados, o debate sobre mudanças no formato dos mandatos e no tipo de governo são constantes. Em 2021, uma proposta de ampliar o tempo de governo para oito anos com consultas populares realizadas a cada dois anos foi apresentada na Casa por um pesquisador do Impa.

Diante disso, qual seria o tempo ideal de um governo presidencial?

França propõe tirar lógica eleitoral do governo

Reeleito em abril, Macron apresentou durante sua campanha a proposta de mudar o tempo do mandato presidencial na França de cinco para sete anos. De acordo com o projeto de Macron, um mandato presidencial mais longo viria acompanhado de uma mudança nos deputados da Assembleia Nacional no meio do governo, como acontece nos Estados Unidos. A alteração, segundo ele, traria um “bom ritmo para a eleição presidencial” e “um respiro em relação às eleições legislativas”.

Com seu primeiro mandato engolido por duas grandes crises, a dos coletes amarelos e a pandemia de Covid-19, a proposta do francês ampliaria o tempo de governo para permitir o debate de reformas de longo prazo.

De sete para cinco, de cinco para sete

A mudança proposta seria uma contrarreforma em relação ao que houve no início dos anos 2000 na França, quando se decidiu, por meio de um referendo organizado pelo então presidente Jacques Chirac, reduzir de sete para cinco anos o mandato presidencial, mesma duração do legislativo, e colocar as duas eleições no mesmo ano.

No entanto, vinte anos depois, os críticos acreditam que o mandato mais curto bloqueou discussões políticas de médio e longo prazo, instaurando no governo uma lógica de cálculo eleitoral. Essa seria uma das razões para que as discussões sobre a reforma previdenciária, tema impopular em debate há anos na França, seja interrompida cada vez que se aproximam novas eleições.

O mandato de cinco anos também é criticado por ter "fortalecido o presidente da República", conforme explicou o constitucionalista Didier Maus no canal de televisão France 2.

A eleição legislativa acontece logo após a presidencial, e os deputados se apresentam já com alianças que mostram se farão parte ou não da base de apoio governista. “É em nome do presidente eleito que os deputados serão eleitos seis semanas depois", pontua Maus.

Com a previsão de novos deputados eleitos no meio do mandato, a proposta aventada por Macron seria uma resposta às críticas sobre a estreita relação entre a escolha do legislativo e o resultado da eleição presidencial no país, lembrando o que acontece hoje nos Estados Unidos.

Três reeleições no Brasil em duas décadas

Já no Brasil, a reeleição, aprovada em uma votação polêmica de emenda constitucional em 1997, tornou-se quase norma nos mandatos presidenciais nas últimas décadas. Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) conseguiram se manter no poder com eleições mais ou menos apertadas.

No entanto, o impeachment de Dilma em 2016 colocou de volta no centro do debate a eficiência desse instrumento. Em governos locais no país, estudos apontam que, desde que a reeleição é possível, prefeitos adotam políticas mais responsáveis com o orçamento público em seu primeiro mandato, tendo em vista a futura votação.

“A reeleição pode levar o chefe do executivo a se esmerar para ser bem avaliado e, assim, ser premiado com a reeleição”, explica a cientista política Lara Mesquita, professora da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas).

No entanto, a especialista em eleições diz que ainda não há evidências de que isso aconteça no Brasil para o cargo de presidente, tendo em vista a pouca distância histórica desde a alteração.

O ex-presidente FHC já declarou ter sido um erro a aprovação da reeleição. Bolsonaro, atual chefe do Executivo, prometia quando candidato acabar com esse mecanismo.

Para Mesquita, contudo, a reeleição não é um instrumento problemático. “A reeleição seria quase um plebiscito pela continuidade ou não do chefe do executivo. E esse modelo é recorrente em diversos países”, explica, sobretudo em mandatos mais curto.

“A ideia da democracia é uma ideia de competição pelo poder. Então alguém que fique por um período muito longo sem passar por uma confirmação dos eleitores poderia ser um risco tanto da personificação [do poder] quanto o de mudar o contexto e a população não estar mais satisfeita com aquele governante e não ter a possibilidade de substituí-lo”, pontua.

Consultas populares para validar governo

A possibilidade de consultas populares a cada dois anos de mandato, como a apresentada pelo professor de economia Luciano Castro, do Impa, em um simpósio na Câmara dos Deputados, tenta dar uma resposta à crise de representação popular com uma opção menos traumática do que a retirada de um governante por impeachment. A ideia detalhada em um artigo amplia o mandato para oito anos, com a possibilidade de plebiscitos de destituição a cada dois anos.

"Assim o eleitorado poderá limitar os danos de um governante incompetente ou corrupto, ao mesmo tempo em que poderá se beneficiar de um governo eficaz com um mandato mais longo", explica Castro no texto.

O modelo já é usado em países como o México e a Venezuela, pontua Mesquita, que afirma que o modelo de consulta popular não é uma garantia de mais controle do povo.

"A experiência mexicana está mostrando para gente que é possível um uso populista deste instrumento. O que vimos no México foi uma participação muito pequena na consulta popular, tão pequena que não foi suficiente para ter valor legal, e mesmo assim o presidente está usando o resultado muito favorável a ele para tentar pressionar o legislativo", cita.

"Todos esses debates são importantes, mas nenhum instrumento é perfeito ou uma garantia de um sistema de fato melhor e que garanta uma maior estabilidade ou confiança da população", sublinha a cientista política.

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