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"Os índios são parte fundamental da nação, sem a qual o Brasil não pode ser explicado”, diz antropólogo

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O antropólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro João Pacheco de Oliveira esteve em Paris para uma série de atividades, entre elas a participação no III Congresso Internacional Mundos Indígenas, do qual fez a palestra de abertura.

João Pacheco de Oliveira - Antropólogo
João Pacheco de Oliveira - Antropólogo RFI
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A palestra, intitulada “Uma epifania da alteridade. Povos indígenas e uma História do Brasil do ponto de vista da expansão das fronteiras”, assim como um livro que ele escreveu sobre o assunto, trazem uma nova visão dos índios brasileiros.

“Os indígenas do Brasil têm sido abordados somente através da perspectiva contemporânea. Eles são considerados enquanto populações pequenas, isoladas na floresta, sem contato uns com os outros e com pouco contato com a sociedade. A realidade vivida pelos índios é totalmente diversa”, diz o antropólogo.

“Os índios foram fundamentais para a construção da nação. Foram considerados aliados estratégicos dos portugueses e depois dos brasileiros na configuração das fronteiras, na ocupação dos espaços interiores, nas guerras desenvolvidas pelo Brasil… Enfim, os índios são uma parte constitutiva da história do Brasil”, explica Pacheco de Oliveira.    

O antropólogo publicou, no ano passado, o livro “O nascimento do Brasil e outros ensaios”, obra premiada pela Associação Nacional de de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) e desconstrói o mito que se criou em torno dos indígenas.

“Este livro aborda justamente os índios de uma forma que me parece bastante nova: os índios enquanto parte fundamental sem a qual o Brasil não pode ser explicado”, conta.

Primeira missa

“O livro opera a partir de determinadas imagens; por exemplo, a imagem da primeira missa do Brasil, que todo mundo tem na cabeça. Esta imagem é extremamente carregada, ela tira dos índios qualquer função na constituição do país. Eles são testemunhas e eles não são em nenhum momento considerados capazes de construírem uma nação: desenvolverem atividades econômicas, terem cidadania, terem alguma forma de presença política. Na imagem, eles são tratados como um elemento da natureza”, resume.

Isso, segundo ele, contribui para que os índios nunca tenham sido vistos como atores sociais importantes.

“Eu acho que esta função fez parte da nossa visão e, independentemente da posição política, todos partilham de uma ideia de que o índio foi episódico na Historia do Brasil – e o que ocorre é justamente o contrário. Os índios foram absolutamente decisivos para  a configuração do Brasil, desde a construção das cidades, os espaços interiores, as primeiras explorações econômicas; Até mesmo montar  modelos de governabilidade”, analisa.

“Muitas das relações estabelecidas com os indígenas nos primeiros contatos foram depois traduzidas e aplicadas a outras populações, sobretudo as mestiças. E hoje este é um modo de relacionamento extremamente arbitrário, racista, autoritário, que faz parte da relação de uma elite nacional com o povo brasileiro”, acrescenta.

Amazônia e poder

Para o antropólogo, não é possível entender a configuração atual do poder político sem entender que a presença indígena e o controle indígena sobre as terras da Amazônia e os recursos ambientais "permitiram uma guinada bastante conservadora no país”.

“Dentro do pacto estabelecido pelo grupo dominante, as terras indígenas, a mineração, a madeira e tudo o mais constituem uma parte central que, do ponto de vista deste grupo, deveria ser liberada à ação de grupos econômicos e outros exploradores, que vão às áreas indígenas e se tornam uma ameaça extremamente forte”, analisa.

Os índios estão fortemente ameaçados; Eles estão muito bem cobertos pela lei, esta é a força deles; Mas não há qualquer preocupação do governo atual com a fiscalização ou com o monitoramento destas terras ou destes recursos. Ao contrário, há o estímulo à violência, à invasão”, lamenta.

“Quando uma pessoa que tem poder, autoridade, diz claramente que não vai demarcar mais nem um metro de terra indígena ou quando ele diz que os índios estão sentados sobre riquezas imensuráveis, ele está autorizando pessoas e grupos econômicos a agirem de forma violenta”, conclui.

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