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Brasil

Redes internacionais de tráfico de fósseis prejudicam pesquisa científica e patrimônio natural do Brasil

O Brasil conta com um dos mais importantes depósitos de fósseis do planeta, a Bacia do Araripe, no sul do Ceará. O local é alvo de redes de tráfico internacionais que, há décadas, comercializam e transportam ilegalmente para fora do país tesouros pré-históricos. Paleontólogos entrevistados pela RFI explicam como a prática traz danos enormes à ciência e ao patrimônio brasileiro.  

Fóssil de pterossauro brasileiro estava à venda no site eBay.
Fóssil de pterossauro brasileiro estava à venda no site eBay. Reprodução Internet
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A Bacia do Araripe é uma mina de tesouros, aos olhos dos cientistas, mas também para redes internacionais de traficantes de fósseis. O local é rico em espécies do período cretáceo, ocorrido no planeta entre 65 e 145 milhões de anos atrás.

Muitos desses fósseis, no entanto, ao invés de serem estudados por pesquisadores ou serem conservados em museus, vão parar nas mãos de traficantes, que comercializam e exportam ilegalmente o material essencial para o estudo e a compreensão da evolução das espécies. Parte desse tesouro é comprado por colecionadores particulares europeus que desembolsam milhões de euros para adquirir peças que jamais poderão ser estudadas ou expostas.

É o caso do fóssil da cobra de quatro patas ou Tetrapodophis amplectus, originária da área que é hoje o Estado do Ceará, há 120 milhões de anos. O material foi ilegalmente enviado para fora do Brasil e comprado por um colecionador particular. O animal chegou a ser descrito na revista científica Science por três cientistas estrangeiros, mas atualmente está inacessível aos pesquisadores. Atualmente se desconhece até mesmo sua localização.

Por isso, para Damien Becker, diretor do Museu Jurassica, na Suíça, “coleções privadas não têm nenhum valor ou razão de existir”. Segundo ele, esse tipo de prática prejudica o fóssil – muitas vezes conservado ou armazenado de forma incorreta –, o acesso dos pesquisadores e do público ao material.

“Não tenho nada contra os mecenas, que podem comprar objetos muito importantes e caros, mas que os disponibilizam para serem preservados e expostos em museus. Mas comprar fósseis para si mesmo é algo extremamente egoísta. Esses materiais não podem pertencer a um comprador, eles pertencem a todos, fazem parte de nossa história”, avaliou, em entrevista à RFI.

Repatriação de 45 fósseis brasileiros

Recentemente a Justiça da França autorizou a repatriação de 45 fósseis brasileiros que foram colocados à venda pela sociedade francesa Eldonia na internet. As investigações, realizadas pelo Ministério Público do Ceará em parceria com a França, tiveram início após uma denúncia feita pela paleontóloga brasileira Taissa Rodrigues, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Especialista em pterossauros, ela foi notificada por um grupo de paleontólogos no Facebook sobre materiais pré-históricos que estavam sendo comercializados no site eBay em 2014.

Segundo a imprensa brasileira, após a decisão de um tribunal de Lyon, no centro da França, serão repatriados ao Brasil restos de tartarugas marinhas, peixes, répteis, além de aracnídeos, insetos e plantas do período cretáceo. O processo relacionado a um dos fósseis – o esqueleto quase completo de um pterossauro – ainda aguarda conclusão. O valor do material foi avaliado em quase € 600 mil (cerca de R$ 2,7 milhões). O governo brasileiro está estudando de que forma realizará a delicada e cara repatriação desses resquícios de plantas e animais pré-históricos.

A Constituição brasileira estabelece que os fósseis são bens da União e patrimônio do país. Mesmo que eles sejam encontrados em terrenos de particulares, eles não podem pertencer a pessoas físicas. A venda e o envio deste material para fora do Brasil são proibidos por lei.

Em entrevista à RFI, Taissa Rodrigues explicou que esse material é extremamente importante para pesquisadores e cientistas. Segundo ela, é raro que um esqueleto de um animal que viveu há dezenas de milhões de anos seja encontrado quase integralmente, como é o caso do pterossauro que estava à venda na França.

“Pelas fotos que vimos, esse tem as asas, a cabeça, o pescoço. Isso vai nos permitir ter uma ideia muito melhor de como era esse animal em vida. É um fóssil completo e extremamente difícil de ser encontrado desta forma. Normalemente encontramos apenas ossos isolados”, diz.

A especialista também destaca que o outro benefício da restituição desses vestígios pré-históricos é a disponibilização deles à população. “Esse material não vai ficar dentro de uma gaveta de um museu ou com um colecionador. Eles podem ser expostos para o público e as pessoas podem ter contato com esse patrimônio natural”, reitera.

Segundo Irma Tie Yamamoto, chefe da divisão de Paleontologia da Agência Nacional de Mineração (ANM), o tráfico de fósseis também impede que novas espécies sejam identificadas. “A Bacia do Araripe, além de ter fósseis de excelente qualidade, pode ser um local em que novas espécies podem ser descobertas. Isso pode nos dar uma maior compreensão na evolução desses organismos”, afirmou à RFI.

Educação da população

Além do reforço da fiscalização em regiões que abrigam fósseis, Irma Tie Yamamoto acredita que a população precisa ser sensibilizada sobre a importância deste patrimônio. Trabalhadores de minas locais, geralmente mal remunerados, veem na venda de fósseis uma renda extra.

No entanto, a paleontóloga observa que as exposições e eventos organizados no Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri e o reconhecimento pela Unesco do Parque Geológico do Araripe, ambos no Ceará, ajudaram a educar a população sobre a importância desses resquícios do período cretáceo.

“É muito difícil resolver esse problema de tráfico de fósseis. A melhor forma é trazendo esses fósseis de volta para o Brasil, criando museus, educando a população e os proprietários de minas”, avalia a paleontóloga brasileira Taissa Rodrigues.

Já para Damien Becker, além da sensibilização da população, é necessário que as leis contra o tráfico de fósseis sejam reforçadas e aplicadas pelos governos. “Na China, atualmente, a exportação deste tipo de material foi completamente proibida e a prática é punida por uma legislação severa. É preciso que se saiba que esses vestígios – sejam eles arqueológicos, paleontológicos ou etnológicos – não podem ser possuídos: eles são patrimônio de toda a humanidade”, conclui.

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