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Política cultural

Como Portugal passou os últimos quatro anos sem Ministério da Cultura

Situação não tão diferente da que vive o Brasil, a crise econômica enfrentada por Portugal em 2011 levou à extinção do Ministério da Cultura no país europeu. A pasta se tornou uma secretaria ligada diretamente ao primeiro-ministro e só voltou a ter status de Ministério em 2015, desta vez junto à Comunicação, mesmo modelo adotado pela França. Na maioria dos países da Europa Ocidental, a Cultura divide espaço com Educação, Comunicação, Turismo e até Esportes.

Artistas e estudantes ocupam Funarte, em protesto pelo fechamento do Ministério da Cultura do Brasil.
Artistas e estudantes ocupam Funarte, em protesto pelo fechamento do Ministério da Cultura do Brasil. Rovena Rosa/Agência Brasil
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A extinção do Ministério da Cultura no Brasil pelo novo governo de Michel Temer – e sua recriação anunciada no último fim de semana diante da resistência da classe artística – levantou o debate sobre o modelo de gestão que deve ser aplicado ao setor pelo Estado. O modelo brasileiro, em que a Cultura tem sua estrutura exclusiva, é raro no continente europeu.

Segundo Jorge Barreto Xavier, responsável pela secretaria de Cultura de Portugal durante os quatro anos do governo de Pedro Passos Coelho, a crise econômica não foi o único motivo para a extinção do ministério. “Foi uma fase de dificuldade financeira, mas também havia a perspectiva de que a cultura era uma área transversal, que poderia articular com várias áreas do governo”, explicou Barreto Xavier à RFI Brasil.

Jorge Barreto Xavier
Jorge Barreto Xavier Carlos Ramos/Creative Commons

A decisão do então primeiro-ministro despertou reações da classe artística portuguesa, “mas não tão grandes quanto no Brasil”, segundo Barreto Xavier. Na época, uma das principais vozes contra a extinção foi a da última responsável pela pasta, Gabriela Canavilhas. Em entrevista do jornal Público, ela denunciou: “Não me venham com o argumento de que uma secretaria faz exatamente a mesma coisa que faz um ministério porque não é verdade. Há uma importância estratégica, logística, de representação de Estado para além do simbólico que faz toda a diferença”.

Para o ex-secretário, que é nascido na ex-colônia portuguesa de Goa, na Índia, é possível manter as políticas públicas sem o status de ministério. A prova disso seria a de que o governo português recriou a pasta em 2015, mas com um orçamento menor do que dispunha a antiga secretaria. “No caso do Brasil, o futuro vai depender muito mais das coisas concretas que se fizer, mas reconheço que há um poder simbólico de representação em um ministério”, afirma Xavier.

Atualmente professor do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), ele diz que não enfrentou limitações em nível nacional por não ser ministro, mas sim em plano internacional: “Para se poder encontrar um caminho de afirmação internacional, é relevante o estatuto ministerial. Mas isso não me impediu de ter uma boa relação de trabalho com os ministros brasileiros Marta Suplicy e Juca Ferreira, com quem trabalhei muito perto.”

Cenário europeu

O tradicional Ministério da Cultura francês, criado por Charles de Gaulle em 1959 especialmente para ser comandado pelo escritor André Malraux, teve suas idas e vindas na fusão com o ministério da Comunicação a partir dos final dos anos 70. Unidos pelo presidente Valéry Giscard d'Estaing, foram separados por François Mitterrand e reunidos novamente 1988, permanecendo até hoje.

Embora haja críticas ao modelo, o consenso é de que a Cultura não pode voltar a ser ligada ao Ministério da Educação, como era antes de De Gaulle, o que seria considerado um retrocesso, já que a Educação Nacional tem um orçamento muito grande, o que acabaria por obliterar a Cultura.

A briga interna que existe no Ministério da Cultura e da Comunicação na França é justamente sobre o valor desproporcional dedicado a um e a outro. “Os artistas têm a impressão, e não estão errados, de que o ministro da Cultura é na verdade mais ministro da Comunicação do que da Cultura”, afirmou à RFI Brasil  Laurent Martin, professor de História das Políticas Culturais da Université Sorbonne Nouvelle e também membro do Comitê de História do Ministério.

Laurent Martin
Laurent Martin Divulgação

O termo “Comunicação” na França tem significado um pouco diferente do Brasil, englobando não apenas a regulação dos meios de comunicação e as concessões de radiodifusão, mas também as televisões públicas e a indústria cultural eletrônica. A disputa, portanto, se dá entre a atenção e o dinheiro dedicados ao cinema e ao audiovisual de entretenimento e aqueles investidos no que seria a missão inicial do ministério da Cultura, segundo Martin: cuidar dos artistas, da arte, dos espetáculos ao vivo e do patrimônio.

Esta tendência de foco no audiovisual, segundo o pesquisador francês, ocorre em toda a Europa, com os governos de olho nos dividendos da indústria cultural. “O orçamento do principal programa cultural europeu para o período 2014 a 2020 é 56% voltado para indústria e não para a cultura no senso clássico do termo”, afirma Martin.

O modelo de união entre Cultura e Educação persiste na Espanha, que engloba também o Esporte. O Reino Unido reúne as pasta das Comunicação, Cultura e Esporte. A Itália junta o Turismo à Cultura, e a Alemanha não tem um ministério específico, mas um encarregado com status de ministro, ligado diretamente ao governo.

“Não vejo objeção maior na aproximação de ministérios, pode funcionar. Mas vemos bem que a preocupação do meio cultural brasileiro é a de que não se quis fazer isso por uma questão de conteúdo, e sim orçamentária. E isso nunca é um bom sinal”, conclui Martin.
 

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