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Brasil/Impeachment

Em entrevista à RFI, Janaina Paschoal diz que começaria tudo de novo

O enviado especial da RFI ao Brasil fez uma entrevista exclusiva com Janaina Paschoal, nesta terça-feira (17), em seu escritório em São Paulo. A redatora do pedido do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, junto com Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, diz que tem esperança em Michel Temer, mas que é preciso fiscalizar o novo governo. Ela acredita ter feito, com o processo de impeachment, uma revolução sem armas e sem sangue.

Janaina Paschoal ao lado de Miguel Reale Júnior.
Janaina Paschoal ao lado de Miguel Reale Júnior. Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
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Achim Lippold, enviado especial à Brasília

Qual é o seu sentimento depois do voto no Senado na semana passada? É um sentimento de missão cumprida?

Veja, com a crise que o Brasil atravessa, não poderia ser um sentimento de alegria, não é feliz o fato de você precisar pedir o afastamento de uma presidente. Agora, o sentimento de dever cumprido é muito grande. Não me omiti diante do quadro de crimes graves de responsabilidade, e mais, um certo contentamento com o fato de estarmos fazendo uma verdadeira revolução sem armas, sem sangue, com base no que prevê a nossa Constituição e a nossa lei. Penso que isso é um exemplo aos jovens brasileiros e, em certa medida, pro mundo.

Porque você decidiu lançar esse pedido de destituição?

Acho que foram um conjunto de fatores. Eu participei como advogada da elaboração de um parecer que não tem nada a ver com um pedido de impeachment. Era um parecer para identificar se havia ilicitudes ou não no comportamento da Presidente diante das finanças públicas. Foi quando tive acesso à documentação do Tribunal de Contas da União (TCU), que demonstrou a fraude absurda que foi cometida nas finanças. Fui contratada como advogada e participei desse estudo junto com o Professor Miguel Reale Júnior, e entregamos o parecer entre abril e maio de 2015. Imaginei que os partidos de oposição iriam fazer alguma coisa, só que eles não fizeram nada. Ai eu me perguntei: Será que nós temos uma democracia real? Ou será que eles fingem serem opositores para o povo achar que existe uma democracia? Ao lado disso, comecei a participar das manifestações, e sentia as pessoas nas ruas muito tristes, dizendo “eu venho em uma manifestação e não acontece nada”. Foi quando me apresentaram ao Dr. Hélio Bicudo, um ex-integrante do Partido dos Trabalhadores (PT) e ele me falou “vamos fazer”.

Para lançar esse processo você precisou do Eduardo Cunha, que é o Presidente da Câmara dos Deputados e que, finalmente, não é uma pessoa confiável. Isso não lhe incomodou?

É preciso ficar claro que quando fomos fazer o pedido, nós fomos praticamente escondidos. Não tínhamos combinado com político nenhum, não tínhamos marcado com o Presidente da Câmara, que no caso era o Eduardo Cunha. Nós fomos à Brasília, fizemos a entrega no Setor Técnico, e depois ficamos aguardando para tentar fazer uma entrega simbólica, sem agendar com Eduardo Cunha. Ele não estava sabendo de nada. Pela Constituição, nós temos que entregar o pedido ao Presidente da Câmara, não temos culpa se o Presidente da Câmara era Eduardo Cunha, e que, vale dizer, durante muito tempo foi aliado da Presidente Dilma. Agora que é interessante, o PT ataca o Cunha, mas durante muito tempo ele foi parceiro. Nós não tínhamos alternativa.

Mas Eduardo Cunha esperou alguns meses antes de lançar o procedimento...

A autoridade pública tem alguns deveres, se ela não cumpre esses deveres em um prazo razoável ela incorre em um crime: prevaricação. Como ele não despachava eu gravei um vídeo na minha casa quando voltei de uma manifestação e joguei na internet, dizendo: Presidente Cunha, eu vou lhe processar por prevaricação se o Senhor não despachar. Coincidência ou não, rapidamente ele despachou.

Porque condenar a Dilma Rousseff se essa pratica de pedaladas fiscais existe há muito tempo no Brasil?

Nesses últimos tempos, tive acesso a algumas documentações referentes aos Estados brasileiros, por causa dessa argumentação do PT, e não é a mesma coisa. Nos Estados não há bancos públicos; A Presidente Dilma utilizou três bancos públicos e isso é expressamente proibido na nossa legislação. E ela escondeu isso nas contas. Esses empréstimos não foram lançados na contabilidade, de forma que ninguém conseguiu pegar.

O PT denuncia uma vingança da direita contra a Presidente Dilma Rousseff. O que você responde a essa crítica?

É o discurso que eles precisaram criar para justificar seus próprios crimes. A verdade é a seguinte, isso nasceu de dois cidadãos, o Dr. Hélio que é um aposentado que teve uma carreira pública honesta, mas não é milionário, e que sempre teve uma vida simples; e eu, que você está vendo o meu escritório que é alugado, pequeno e em um prédio velho. Eu pareço uma grande representante da direita?

O que chocou o público estrangeiro é que muitos dos parlamentares que votaram pela destituição de Dilma Rousseff são, eles mesmos, corruptos.

Não acho que seja a maioria, mas muitos têm inquéritos e alguns respondem a processos. Agora, qual era nossa alternativa? Já que está todo mundo devendo, a gente deixa como está? Não tem como. A gente tinha que começar esse processo em algum momento. Eu penso que isso serve de alerta para todos os políticos. Eles perceberam que não têm poder absoluto. Digo “eles” não só o PT, mas eles todos os políticos.

Você tem confiança nesse novo governo de Michel Temer?

Ele é professor de direito constitucional, é um senhor de 74 anos. Eu acho que ele tem consciência de que está tendo a chance da vida dele para entrar positivamente pra História. Essas características fazem com que eu tenha uma certa esperança, mas como brasileira eu vou continuar atenta. Historicamente nós temos uma postura muito passiva: “eu votei nele agora ele vai cuidar de mim”. Não, ele não vai cuidar de você. Se você não fiscalizar ele vai cuidar dele mesmo! Então, a gente tem que cobrar, tem que conhecer as leis.

O que você aprendeu durante esses últimos meses sobre a classe política no Brasil, e sobre a cultura política no Brasil?

Eu senti que quando você olha o parlamento e diz que ele é importante e faz um pedido sério ele responde. Eles trabalharam madrugadas a fio. Do ponto de vista do povo brasileiro eu senti um envolvimento muito maior. As pessoas pararam de assistir às novelas para assistir aos debates no Senado, o julgamento no Supremo. Eu fui parada na rua por senhoras que me disseram: “olha doutora, eu fiquei até de madrugada assistindo, eu concordo com isso e não concordo com aquilo”. Então houve uma vivência grande desse processo todo, o que ao meu ver o torna ainda mais legítimo. Espero que essa seja uma mudança que veio para ficar. Acho que cresci muito como ser humano nesse processo inteiro. É difícil. Não está sendo fácil, a exposição e a pressão são grandes, mas se eu tivesse que começar tudo de novo, eu faria.

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