Crise no Brasil vira tema de conversa nos bistrôs de Paris
Impeachment de Dilma, Lula, corrupção, Petrobras, desigualdade social, Jogos Olímpicos. O quebra-cabeças que modela a atual crise brasileira chegou às mesas dos Cafés parisienses, tornando-se tema de conversa dos clientes com os proprietários que, entre um café e um copo de vinho, comentam com desilusão o atual cenário político do país.
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Na subida da pitoresca Rue Mouffetard, no Quartier Latin, fica o discreto bistrô Le Verre à Pied, reduto de moradores do bairro, estudantes, poetas e sonhadores. Nesta quarta-feira de sol e chuva, quase na hora do almoço, o proprietário Claude está atrás do balcão conversando com Georgette e Nina, duas clientes habituais. O assunto é a crise no Brasil.
Claude: - O Brasil continua a crescer mas tem uma categoria da população muito pobre ainda, há uma grande desigualdade que, pelo jeito, está longe de ser resolvida. E esse escândalo envolvendo Lula e a presidente, então, só veio piorar as coisas.
Nina: - Mas esse escândalo é o que, exatamente? É um escândalo financeiro? Político?
Georgette: - É a oposição de direita que quer vê-los partir por má administração do dinheiro público. Eles são acusados de corrupção. E como a presidente Dilma tentou nomear Lula como ministro, os opositores caíram em cima dela.
Claude: - Mas toda essa crise é uma grande decepção, nós gostamos muito do Brasil, temos a imagem de um país de gente simpática, diversificada, alegre, com muitos jogadores de futebol [risadas], são cada vez mais numerosos por aqui, mas enfim...
Georgette: - O Brasil teve um grande impulso depois de muitas dificuldades; e a gente estava feliz pelos brasileiros, por sua situação estar mudando, evoluindo, o novo governo trazia esperança para o povo ... Depois teve todo esse escândalo... é uma pena... Mas tem outros países passando por isso, como a Inglaterra, voilà!
Claude: - A direita está pedindo o impeachment da presidente, mas seja de esquerda ou de direita, se alguém é corrupto, é corrupto. E não é só no Brasil, infelizmente na França isso também acontece...
Georgette: - Na França costumamos citar a frase do historiador e político britânico Lord Anton: "O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente"...
Os primeiros clientes vão chegando para almoçar, Georgette se despede, Claude vai para a cozinha verificar os pratos do dia. Um senhor senta perto de Nina para tomar um café. "Viu o que está acontecendo no Brasil?", ela pergunta, enquanto vou embora ouvindo o som suave de uma bossa-nova.
Um Brasil que avança e retrocede
As mesas sempre cheias do terraço do restaurante "Alicante" dão vida à pequena alameda arborizada na Rua Saint-Merri, no bairro histórico do Marais. No interior, perto da janela envidraçada, Franck, o gerente do lugar, conversa com William, um frequentador assíduo do lugar. No menu da conversa, o Brasil.
"Como é possível que isso esteja acontecendo? Será o fracasso de uma democracia que ainda é nova?", analisa Franck, lembrando que não se pode esquecer o "milagre Lula". "Foi um excelente período para o Brasil, um longo período em que o país saiu da condição de Terceiro Mundo, com boas perspectivas de futuro ligadas ao petróleo. E agora, essa crise, esses escândalos ... Tenho sempre a impressão de que o Brasil caminha em duas velocidades diferentes, avança e recua ....", ele reflete, indagando o que poderá acontecer com o governo atual: "Acho que ninguém sabe"...
William, americano que vive em Paris, também concorda que Lula ajudou muito uma camada da população, tendo investido bilhões de reais em planos contra a pobreza e a fome. "Ele fez muitas mudanças, mas hoje eu me pergunto o que vai acontecer com ele..." William também se preocupa com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, pois acha que isso impactaria de forma grave na economia global. "O Brasil é a primeira letra do BRICS, mas hoje tudo desmoronou..."
Franck questiona: "E os militares? Será que eles têm interesse em dominar o país? Não sei, eu me pergunto... De toda maneira, as democracias novas são sempre frágeis..." ele observa, levantando-se para receber quatro jovens turistas japonesas que entram fotografando tudo o que encontram pela frente, inclusive ele e os outros clientes do "Alicante".
E os Jogos Olímpicos no Rio?
A francesa Annie acabou de ouvir um programa sobre a crise no Brasil na rádio France Inter. "Os gastos na organização dos Jogos Olímpicos foram exorbitantes e e hoje questiono como vão acontecer, em plena crise. O Brasil me passa uma imagem de uma enorme fratura entre uma elite e o prestígio de receber um evento esportivo dessa dimensão e, por outro lado, uma população de grande precariedade. Isso também acontece na França mas acho que no Brasil o problema existe de forma mais acentuada".
Reconhecendo não ter conhecimento para comentar o aspecto político da crise, ela reitera, escolhendo um vaso de begônias vermelhas: "O que me choca no Brasil é a desigualdade social".
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