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Brasil/ eleições

À RFI, Luiza Erundina critica Lula e diz "lamentar" julgamento de petistas

O segundo turno das eleições municipais no Brasil acontece neste domingo, em 50 cidades, entre elas São Paulo, onde o petista Fernando Haddad (PT) enfrenta o tucano José Serra (PSDB). A deputada federal Luiza Erundina, do PSB, abdicou da indicação para vice-prefeita da cidade depois que o PT aceitou o apoio de Paulo Maluf. Em entrevista à RFI nesta quinta-feira, ela analisa as causas do desencanto da população brasileira com a política, demonstrado pelos altos índices de abstenção no primeiro turno, e afirma “lamentar muito” o destino dos ex-companheiros do PT julgados pelo Supremo Tribunal Federal pelos crimes ligados ao mensalão.

Deputada federal Luiza Erundina preferiu não integrar chapa pela prefeitura paulistana.
Deputada federal Luiza Erundina preferiu não integrar chapa pela prefeitura paulistana. Divulgação/ Luiza Erundina
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Em São Paulo, Fernando Haddad (PT) conseguiu um avanço expressivo face a José Serra (PSDB), conforme as pesquisas de intenções voto. Ao que a senhora atribui essa virada do jogo?
O outro candidato [Serra] vem sofrendo um desgaste bastante grande, e há bastante tempo, sobretudo por não ter concluído os mandatos de prefeito e governador. E o próprio PSDB, enquanto oposição, não tem sido tão eficiente. É uma força política que vem sofrendo um desgaste muito grande. Além disso há um desencanto com a política de um modo geral, no Brasil: basta ver os altos índices de abstenções e votos brancos e nulos. A grande lição que se tira das eleições neste ano, a meu ver, é a falência do nosso sistema político, no sentido mais literal do termo. Tem que haver uma reforma estrutural do próprio papel do Estado, da relação entre os poderes, do pacto federativo. Vivemos um quadro muito crítico e deteriorado da política.

O número de abstenções e de votos em branco ou nulos foram altos nestas eleições. A senhora acha que os partidos têm consciência desta ruptura com os cidadãos ou simplesmente não se importam com isso?
Os partidos hoje, no Brasil, pouco significam, de A a Z, no espectro político e ideológico. São siglas que acomodam e representam interesses de grupos. Não são partidos com um programa, com um projeto político, ideologia ou identidade. Este é um dos pontos mais agudos da crise do nosso sistema político. O número grande de partidos é um sintoma de que há alguma coisa que não vai bem. Eles são apenas combinações de letrinhas para oferecer a quem queira disputar um mandato. O financiamento privado das campanhas favorece muito estes desvios éticos e aos abusos. O alto índice de abstenções e votos brancos e nulos é um fenômeno importante a ser considerado e que demonstra que o sistema político, eleitoral e partidário brasileiro está esgotado. É preciso uma profunda reforma política, sem o quê, a cada eleição, o quadro se torna mais complicado. Há uma irritação do eleitorado com os políticos e com a política. Há um desinteresse e um distanciamento da juventude em relação à política, que são preocupantes. Ou a gente enfrenta essas questões ou lamentavelmente o processo vai se desqualificando a cada eleição e o alheiamento da sociedade em relação ao processo político vai se acentuando.

Até que ponto este desencanto afeta a senhora? Como vive pessoalmente essa situação da política brasileira atualmente?
Como parlamentar, eu milito por estes temas. Há 13 anos no Congresso, eu luto por uma reforma política com participação popular. O problema é que os partidos não têm interesse neste tema. Quando se discute alguma mudança de regra eleitoral ou de norma de organização partidária, logo aparece a pergunta do parlamentar: “no que isso vai me ajudar a me reeleger na próxima eleição?”. Os partidos não tomam para si a responsabilidade de definir uma pauta para avançar nesta reforma para aprimorar a disputa e o exercício do poder no País. É uma crise profunda, que infelizmente nem os partidos, nem o governo, nem a sociedade – que é influenciada por uma mídia que não tem compromisso com a democracia e o aperfeiçoamento do sistema democrático – querem mudar.

A sua recusa em ser candidata a vice-prefeita de Fernando Haddad foi a exasperação deste sentimento, devido ao apoio de Paulo Maluf à candidatura. Mas se Haddad vencer e lhe convidar para um cargo na prefeitura de São Paulo, a senhora aceita?
Essa é uma questão que depende do partido. Teria que ver onde eu sou necessária neste contexto, considerando as reformas em que estou envolvida no Congresso. Por isso, em uma hipótese de me convidarem para uma secretaria – o que não acredito que ocorra -, teria que ver como o meu partido avaliaria, para ver onde eu estaria melhor colocada para defender os interesses do país e da democracia. O meu mandato está dedicado a estes três grandes temas: a reforma política, a democratização dos meios de comunicação e a busca da verdade e da memória dos crimes cometidos durante a ditadura militar. A disputa de 2014 já está antecipada para hoje. Já tem um nível de tensão e de estresse importante.

Estas eleições ocorrem no mesmo momento que o julgamento do mensalão, mas este acontecimento parece não ter influenciado no voto das pessoas, não?
Verdade. Não foi como se imaginava que seria. Por parte da sociedade, há uma tolerância excessiva quanto a essas questões de desvios éticos dos políticos, dos partidos, dos governos. E o interesse mais imediato eleitoral, no plano local, se sobrepõe a essas outras questões. Por isso o julgamento envolvendo figuras simbólicas da política brasileira não teve a influência que se imaginava que teria. São figuras que tiveram um protagonismo na luta contra a ditadura, pela democracia e na construção do partido mais importante do Brasil hoje, o Partido dos Trabalhadores, e hoje estão sendo julgadas e condenadas a penas pesadas, por distanciamento dos compromissos políticos, éticos, morais. Mas há apenas segmentos da classe média que estão atentos a isso: a imensa massa, a maioria da sociedade não leva isso como um fator determinante na sua decisão de voto.

O ex-presidente Lula chegou a dizer que o povo não está interessado no julgamento do mensalão, e se importa mais com os resultados dos jogos de futebol.
Isso deseduca o nosso povo. Um ex-presidente da República, uma liderança do porte do Lula tem que se preocupar com aquilo que ele fala, com as posições que ele assume, porque a política tem uma dimensão pedagógica e educativa. É isso que explica certos gestos que eu assumo na minha trajetória política, como foi esse caso em relação ao Maluf. Eu me preocupo com o que transparece para os meus eleitores, para o cidadão comum. Eu não posso só ficar preocupada comigo mesma sem observar qual seria o impacto disso, do ponto vista pedagógico e da educação política do povo. Uma liderança política não pode se dar ao luxo, se é que isso é luxo, de fazer as coisas que bem entendem e achar que está tudo bem. Não está tudo bem. Portanto eu não concordo com a avaliação do ex-presidente a respeito deste assunto.

Qual é a sua avaliação sobre o andamento do julgamento do mensalão?
É surpreendentemente positiva, do ponto de vista da tradição do poder Judiciário no Brasil, da pouca eficácia deste poder. Está sendo altamente educativo. As sessões são transmitidas em tempo real, e isso está sendo importante para a opinião publica, tanto pela compreensão do papel deste poder quanto pelo rigor que tem de haver nestes julgamentos. Provavelmente o Brasil não será mais o mesmo depois deste julgamento, pelo menos do ponto de vista da relação da sociedade com o poder Judiciário. Isso vai exigir mudanças em outras instituições, afinal a expectativa era exatamente o oposto, a de que não aconteceria nada.

A senhora acha que as condenações dos principais caciques petistas trarão impactos à política brasileira?
Eu acho que vai ter impacto, principalmente quando essas pessoas forem cumprir pena. Este momento está chegando. As penas, anos de prisão, estão sendo definidas.

Muitos atenuaram as acusações que pesam sobre os petistas sob o argumento de que os réus tiveram um papel determinante na luta contra a ditadura. Qual a sua avaliação?
Uma coisa não justifica a outra. Exatamente porque foram pessoas que se sacrificaram, foram generosas e tiveram um papel importante na luta contra o regime militar e a reconstrução da ditadura, é que elas não poderiam nunca ter feito concessões desta natureza. Fica claro que a regra de que os fins justificam os meios prevaleceu, para eles. Eu lamento. Sinto muito, porque foram companheiros de luta, generosos, mas eles não tinham o direito de fazer isso, sob pretexto nenhum. Lamento muito, estou triste também, e de certa forma atingida, porque foram companheiros que comungaram comigo, e eu com eles, momentos delicados das nossas vidas.
 

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