Imprevisibilidade da política externa dos EUA deve continuar após saída de Bolton, diz especialista
Os pontos de discórdia entre os dois homens eram frequentes. Finalmente o presidente norte-americano, Donald Trump, decidiu anunciar, como costuma fazer, através de um tuíte: “Informei John Bolton que não tínhamos mais necessidade de seus serviços na Casa Branca”. Foi o terceiro assessor de segurança nacional demitido em dois anos e meio.
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Do correspondente da RFI em San Francisco, Éric de Salve
Uma demissão no mais puro estilo Trump: intempestivo, violento e espetacular. “Não concordávamos em muitos assuntos”, explicou o presidente. Já John Bolton apresentou uma versão diferente dos fatos, deixando entender que teria sido ele mesmo quem pediu demissão.
Mais um nome que deixa o gabinete Trump, reforçando a impressão de caos no alto escalão do governo americano, num clima diplomático tenso e incerto.
Após várias semanas, Washington envia sinais contraditórios, principalmente sobre o dossiê iraniano, entre rigidez e abertura para discussões. A saída de Bolton também acontece 48 horas após o cancelamento de um encontro secreto com os talibãs.
Esses eram alguns dos pontos mais importantes de discórdia de Trump com o conselheiro de segurança nacional. Vale acrescentar que Bolton também era hostil à política de mão estendida em direção ao líder norte coreano Kim Jong-un.
Atacar antes, discutir depois
Para seus inimigos, John Bolton era um demente. Um nacionalista apaixonado pela América com uma única ideia na cabeça: restaurar a grandeza dos Estados Unidos por todos os meios, incluindo por meio de armas. Seu método é simples: é preciso eliminar todos os Estados inimigos que possam ameaçar Washington.
Há anos Bolton vinha defendendo ataques militares preventivos contra a Venezuela e Coreia do Norte. Atacar antes para discutir depois, como em 2003, quando George W. Bush começou a guerra no Iraque. Na época, Bolton já estava na Casa Branca e ele sonhava em derrubar Saddam Hussein, mesmo sendo necessário inventar armas de destruição massiva que não existiam.
Belicoso demais para Trump
Bolton se define como « pró-americano ». « Somos a única chance do mundo livre. Só há uma estratégia: defender nossos direitos a qualquer preço”.
Para Bolton, não há nada pior do que as instituições internacionais, a ONU, a Corte Penal Internacional, a União Europeia, os tratados multilaterais, o acordo sobre as intenções nucleares do Irã, o fim do embargo a Cuba... Ultra conservador, reacionário, armamentista: uma carta de visita radical demais para Donald Trump, que se separa de Bolt após um ano e meio.
Entrevistado pela RFI, o pesquisador Corentin Sellin diz que Bolton já estava sendo colocado de escanteio. “Na semana passada, por exemplo, apesar da oposição do assessor, Trump decidiu sozinho e anunciou o cancelamento de diálogos secretos com o Talibã no Afeganistão. Essa demissão vai trazer uma mudança? Não. Penso que vamos continuar dentro desta imprevisibilidade da política externa e defesa do governo Trump, que está cada vez mais ligada aos impulsos incontroláveis do presidente”, comenta.
Mas essa é a primeira vez que Trump vê sua decisão ser contestada por alguém que demitiu, lembra o especialista em Estados Unidos. “Bolton, por Twitter, respondeu e contestou ontem o presidente - uma afronta inédita. Isso mostra que essa política externa reduzida aos impulsos de um presidente está chegando a seu limite”, avalia Sellin.
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