Com a posse de Mauricio Macri, a Argentina abandona a esquerda populista com um regime hegemônico e isolado do mundo e ruma à centro-direita, que promete mais democracia e integração ao mundo. O discurso da posse do novo presidente foi marcado por duas ideias: a de reconciliação nacional e de recuperação das normas democráticas.
Pelo menos para a metade da população argentina, a posse de Macri gerou a sensação de um final de regime autoritário. Existe muito entusiasmo com esse novo governo, menos por Macri e mais pelo fim de um modelo que tentou impor o pensamento único, a falta de liberdade de expressão e a tentativa de perpetuação no poder.
Resguardadas as proporções, o novo governo chega com uma receita típica de fim de ditadura. Alguns analistas até definem o novo período como uma Nova República, porque comparam com o temário de 1983, quando a Argentina recuperou a democracia. Macri tentará, num primeiro momento, restabelecer a civilidade democrática, os mecanismos institucionais, as liberdades fundamentais e restaurar a independência na divisão de poderes.
No plano político, Macri vai precisar construir poder para garantir a governabilidade. Ele conseguiu derrotar o candidato da agora ex-presidente Cristina Kirchner, Daniel Scioli. Mas a diferença foi pequena, de apenas 2,7% dos votos. Essa escassa diferença revela que o país continua dividido entre prós e contra Kirchner. Macri sabe que metade dos votos que recebeu não foram para ele, mas sim para aquele candidato que tinha chances de derrotar o "kirchnerismo". Agora, ele precisa consolidar esse apoio e conquistar a outra metade da população.
Macri aposta na qualidade gerencial do governo
Sem maioria no Congresso, a aposta é na qualidade administrativa. O gabinete de ministros se destaca pelo profissionalismo e pela capacidade gerencial. Muitos ministros têm formação empresarial e pouco jogo de cintura político. No Parlamento, Macri tentará negociar amplos acordos políticos e sociais. Ele poderá contar com a fratura do peronismo para compor uma base aliada. O terceiro colocado nas eleições, Sergio Massa, e Kirchner irão liderar o peronismo daqui para a frente. Mas é provável que Macri tenha em Massa um aliado parlamentar até as eleições legislativas daqui a dois anos, quando o Congresso se renovará parcialmente.
O presidente também deve restringir ainda mais a margem de manobra de Kirchner, facilitando o trabalho da Justiça nas investigações sobre denúncias de corrupção do antigo governo. Só pelo que declarou oficialmente, o patrimônio da família Kirchner aumentou 1.400% nos últimos 12 anos.
A área econômica concentra os maiores desafios. A Argentina não cresce há quatro anos e possui um Banco Central falido. O déficit fiscal de 8% revela um gigantesco Estado clientelista e ineficiente. Os dados macroeconômicos são manipulados. A inflação chega a 30% ao ano. Há graves problemas de financiamento.
O novo presidente deve negociar com os fundos especulativos que mantêm o país em moratória para atrair investimentos de forma urgente. Macri promete ainda acabar com as fortes barreiras comerciais e cambiais. Poderia haver anúncios a partir de segunda-feira (14), mas a liberação do mercado de capitais estará associada à entrada de dólares ao país. A equipe econômica também precisa conhecer o verdadeiro descontrole das contas públicas, algo que ninguém sabe ao certo.
Brasil volta a ser o maior aliado estratégico da Argentina
Para o Brasil, apesar da diferença ideológica com a presidente Dilma Rousseff, a perspectiva é positiva, com possível aumento do fluxo comercial. Hoje, o Mercosul é um bloco paralisado pelo protecionismo argentino, que impõe todo tipo de restrições comerciais e cambiais. Além disso, a Argentina não demonstrou interesse num acordo comercial com a União Europeia e, com isso, dificultou as negociações entre os dois blocos.
Na visão de Macri, o Brasil é o sócio estratégico ao qual a Argentina deve estar associada em primeiro lugar. Do ponto de vista econômico e comercial, portanto, a relação com o Brasil deve entrar numa lua-de-mel em um momento em que tanto a Argentina quanto o Brasil precisam imperiosamente voltar a crescer e a receber investimentos.
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