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Começa a faltar comida no Haiti: especialista de Direitos Humanos da ONU descreve o caos no país

A situação continua crítica no Haiti, onde esta terça-feira (5) é mais um dia de medo para a população. A capital Porto Príncipe está paralisada, após a declaração de estado de emergência na segunda-feira (4), devido a um fim de semana caótico, com ataques de grupos armados a penitenciárias e que resultaram na libertação de milhares de detentos.

Um carro incendiando em frente à penitenciária nacional em Porto Príncipe, em 3 de março de 2024.
Um carro incendiando em frente à penitenciária nacional em Porto Príncipe, em 3 de março de 2024. AP - Odelyn Joseph
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A rebelião exige a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, no poder desde 2021, e que deveria ter deixado o cargo no início de fevereiro.

O país em estado urgência e sob toque de recolher noturno até quarta-feira (6) tem sérias dificuldades para suprir os direitos fundamentais da população, como segurança, educação e alimentação. Os haitianos vivem com medo das gangues armadas, que atacaram as duas maiores prisões do país, libertando milhares de prisioneiros e matando pelo menos dez pessoas.

A população não se atreve a sair às ruas, como conta à RFI uma moradora de Porto Príncipe que quis manter o anonimato, por razões de segurança. “A situação é muito tensa, eu ouço tiros o tempo todo. Temos dificuldade para ter água. Nos alimentamos com produtos não perecíveis, pois não há eletricidade. Eu não tenho saído, sou professora e todo o setor da educação está paralisado”, lamenta.

A advogada Rosy Auguste Ducena, da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH), reforça o medo vivido pelos haitianos. Ela descreve uma situação de terror. “Muitas empresas estão fechadas, temos que ser prudentes porque a delinquência é geral”, diz em entrevista à RFI. “Só podemos sair com prudência. Não sabemos jamais quando um ataque vai acontecer e quando os bandidos virão tomar a região. Se saímos, estamos sozinhos nas ruas”, relata.

Uma mulher passa pelos corpos de presidiários do lado de fora da penitenciária nacional em Porto Príncipe, Haiti, no domingo, 3 de março de 2024. Centenas de presidiários fugiram depois que gangues armadas invadiram o estabelecimento durante a noite.
Uma mulher passa pelos corpos de presidiários do lado de fora da penitenciária nacional em Porto Príncipe, Haiti, no domingo, 3 de março de 2024. Centenas de presidiários fugiram depois que gangues armadas invadiram o estabelecimento durante a noite. AP - Odelyn Joseph

Aeroporto fechado

Em entrevista à RFI, William O'Neill, especialista nomeado pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU para o Haiti, conta que viu em sua última visita um caos geral no país, que começa a sofrer com a falta de alimentos.

“Já era difícil para a população do Haiti antes, de ter acesso à educação, a alimentos, ao sistema de saúde, mas agora está ainda pior com a degradação dos serviços básicos, que são quase inexistentes, sobretudo nas favelas, nos bairros pobres de Porto Príncipe”, relata. “O programa alimentar mundial colocou o Haiti entre os cinco países mais vulneráveis devido à escassez de alimentos. É muito difícil, sobretudo para as crianças. É difícil de encontrar comida devido à insegurança. Essa é a fonte principal dos problemas, a insegurança”, reforça.

“O terror e o medo são constantes. Isso domina todo a rotina da população”, completa.  “Eu não sei como as pessoas vivem com esse nível de ameaça. Há violências sexuais, o escritório da ONU nem consegue contar o número de casos. Há também os sequestros, assaltos, em bairros controlados pelas gangues”, diz

Sobre as prisões, O’Neill explica que as fugas são recorrentes. “Há muitas fugas, mas desta vez foi nas duas principais do país. É surpreendente. Não sei se podemos falar de falta de segurança no interior e exterior. Mas o problema parece esse e as gangues têm armas mais poderosas do que a polícia”, compara. “O problema da insegurança é tão grande que o aeroporto internacional de Porto Príncipe está vazio. Os voos dos EUA foram anulados”, afirma.

O Haiti aguarda uma missão do Quênia para ajudar a controlar a violência, conforme acordo assinado por Ariel Henry com as autoridades quenianas. Outras missões internacionais já foram enviadas antes ao Haiti, sem que o problema tenha sido resolvido.

Para O’Neill, as ações a serem implementadas precisam ser revistas, após o fim de semana sangrento. “O tamanho da violência exige uma resposta mais forte do que foi previsto na semana passada, tudo mudou após o fim de semana, a missão é necessária, mas tem que rever o tamanho e a capacidade das tropas que virão ao Haiti”, observa.

“A maioria da população exige isso, precisam de uma missão. Conhecemos os problemas do passado, mas não quer dizer que eles vãos se repetir. A Polícia Nacional não consegue resolver isso sozinha. Se se for uma ação bem planejada, pode haver sucesso”, acredita o especialista nomeado pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU para o Haiti.

Porém, de acordo com Francisco Occil, porta-voz do sindicato policial SYNAPOHA, o próprio governo do Haiti, que teria ignorado alertas da polícia sobre um ataque iminente às prisões, é o grande responsável pela deterioração da situação de segurança. “Acredito que esta é uma situação criada pelo governo, quer para justificar a importância da vinda da força queniana, quer para criar o caos total para impedir as eleições e permanecer no poder o maior tempo possível”, diz. “Não podemos mais falar de segurança na capital, já que muitos bandidos estão nas ruas. As delegacias são atacadas, os policiais são expulsos de suas casas, eles estão sobrecarregados com a situação e o governo parece inexistente”, completa.

Enquanto ações efetivas de segurança não são tomadas, é difícil devolver a calma à população, explica diz Armel Rémy, coordenador-geral Coletivo de advogados de defesa dos direitos humanos do Haiti.

“As pessoas estão trancadas dentro de casa, as ruas estão vazias, as escolas fechadas, o transporte público quase não funciona e não sentimos a presença do governo. Todo mundo está aterrorizado. É o caos e a desordem que planam sobre Porto Príncipe”, resume.

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