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Linha Direta

Covid-19: Peru lidera o ranking mundial de mortalidade e queda na economia

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Nem o Brasil na Saúde nem a Argentina na Economia. O Peru, antes melhor aluno na região, torna-se o líder mundial em mortalidade e o latino-americano em queda na economia.

Mulher observa fotos de médicos que morreram vítimas do coronavírus no Peru
Mulher observa fotos de médicos que morreram vítimas do coronavírus no Peru AFP
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Se, inicialmente, o Peru parecia ter a receita para enfrentar a pandemia ao aplicar um precoce e rígido confinamento, além de anunciar a mais elevada ajuda financeira da região, agora o país é um exemplo do contrário: concentra a maior quantidade de falecidos em relação a sua população e um profunda queda numa economia que crescia, ininterruptamente, há 20 anos.

"A implementação de medidas aparentemente drásticas foram somente mera formalidade. Não houve nunca planos de segurança pública nem sanitários consistentes. Tudo foi um improviso, abrindo espaço para muita corrupção", afirma à RFI o cientista político e economista peruano, Hugo Guerra.

Com 32,6 milhões de habitantes e 29.259 falecidos, o Peru lidera o ranking mundial de mortalidade com 90 mortos para cada 100 mil habitantes, deixando Bélgica (85), Espanha (62), Reino Unido (61) e Chile (59) para trás.

Nem mesmo os impactantes números de vítimas dos Estados Unidos (54) e do Brasil (55) chegam perto do drama peruano, embora, no ranking mundial, o Peru apareça em quinto lugar em número de contágios e em nono de falecidos.

As cifras podem estar subestimadas devido às mais de 10 mil mortes suspeitas por coronavírus que as autoridades peruanas ainda estudam.

"As cifras mais confiáveis de observatórios internacionais dizem que é preciso multiplicar por três ou por cinco a quantidade de falecidos", indica Guerra.

No campo econômico, a queda peruana de 30,2% no segundo trimestre em relação ao mesmo período do ano passado foi a maior da história do país, exemplo na região de crescimento sustentável.

No período, 6,7 milhões de postos de trabalho, equivalentes a 40% dos empregos formais, foram destruídos devido à rigidez inicial do confinamento e à queda das exportações, dependentes dos preços internacionais das matérias primas que desabaram.

Rigidez choca-se com a desigualdade

A quarentena no Peru começou no dia 16 de março, sendo a segunda na região depois da paraguaia. O regime peruano incluía toque de recolher e prometia uma ajuda financeira às pessoas e às empresas equivalente a 12% do PIB. Com medo e com a promessa de auxílio, a população acatou as ordens.

No entanto, as medidas, copiadas na altura da Europa, encontraram na realidade social e sanitária peruana consequências muito diferentes.

"O Peru é um exemplo de que não basta a capacidade de reação de um governo. Para implementar as políticas anunciadas, é preciso haver capacidade de resposta do Estado, algo que, no caso do Peru, a ausência fica clara", indica à RFI o cientista político equatoriano, Simón Pachano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

Nas favelas, as moradias aglomeram muita gente num mesmo ambiente, carente de saneamento básico. Essa informalidade tem o seu paralelo na economia, onde 73% da população economicamente ativa vive do que ganha no dia ou de trabalhos esporádicos sem carteira assinada. Essa população precisou usar o transporte público, lotado de riscos.

"A quarentena evidenciou as desigualdades dos países da região. O confinamento é impossível nessa população. Essas pessoas vivem do que ganham diariamente", explica Pachano. "Essas pessoas preferem o risco de infectar-se ao de ver a família morrer de fome", acrescenta Guerra.

Um país na informalidade

Com a destruição do emprego formal, esse número de informais elevou-se a 90%. De cada dez peruanos, nove estão hoje na informalidade, segundo estimativas de especialistas baseadas em dados oficiais. Metade recebe menos do que um salário mínimo. A população informal é, normalmente, responsável por 58% do consumo no país, mas a crise pulverizou o poder aquisitivo.

"Além disso, a economia informal peruana está muito ligada à economia formal que depende dos informais para venderem os seus produtos", sublinha Pachano.

A ajuda financeira muitas vezes não chegou ao destino. Somente 38,1% dos peruanos têm conta bancária e até mesmo as pequenas e médias empresas funcionam na informalidade. As aglomerações para tentar receber uma parcela do auxílio de 210 dólares, insuficiente e tardio, atomizaram a propagação do vírus. Cerca de 5,5 milhões de pessoas receberam apenas uma parcela da ajuda. Outras 2,5 milhões ainda não receberam.

"A ajuda social não superou os 4% do PIB quando o anunciado foram 12%", denuncia Hugo Guerra.

Caos sanitário

Na ponta final da doença, um sistema de saúde frágil, sem estrutura para atender uma demanda repentina. Entre todos os países da América Latina, o Peru só investe em saúde (3,3% do PIB) mais do que a Venezuela (0,8%), segundo a Organização Pan-americana da Saúde.

Antes da pandemia, havia no país, apenas três mil leitos hospitalares e 100 leitos de UTI. O número subiu para 18 mil e 1.660, respectivamente, mas insuficiente para os mais de 663 mil casos.

No caos do colapso, faltaram leitos nas UTI, faltaram respiradores, faltou pessoal médico, faltou oxigênio e faltou até lugar onde enterrar as vítimas.

"O orçamento concedido ao governo para administrar a crise chega a 130 bilhões de dólares. Desde 15 de março foram gastos menos de 25%. Mesmo tendo os recursos, o governo não soube gastar", critica Hugo Guerra.

Medidas drásticas sem efeito

Nos primeiros meses, mais de 50 mil pessoas foram presas por não respeitarem a quarentena que terminou, na prática, bem antes da data oficial de 1 de julho.

Desde o dia 16 de agosto, rege um novo toque de recolher dominical. As reuniões sociais e familiares clandestinas, principal fonte de contágio, continuam proibidas. O Exército tenta, em vão, assegurar o cumprimento.

O Estado também falhou na prevenção e no isolamento de doentes. Os testes serológicos aplicados foram os rápidos que medem o passado. O país tem pouca capacidade para processar testes moleculares, os que testam a doença no momento.

Sem horizonte econômico claro

A corrupção também fez o seu habitual estrago. Cerca de 500 investigações tentam descobrir os responsáveis por desviar recursos para ajuda alimentar e para material de proteção para os profissionais da saúde.

A ministra da Economia, María Antonieta Alva, projeta uma recuperação para os próximos meses que atenuaria a queda da economia a 12% do PIB em 2020, projetando uma rápida recuperação de 5% no ano que vem.

"Na verdade, se houver uma recuperação, a economia poderá cair 17% no ano. Os mais alarmistas projetam queda de até 24%. De qualquer forma, a recuperação virá a partir do segundo semestre de 2022. Não antes", garante à RFI o analista político e economista Hugo Guerra.

 

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