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Linha Direta

Justiça eleitoral da Bolívia adia decisão sobre impugnação das candidaturas de Morales e aliados

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Apesar da grande expectativa na Bolívia por uma confirmação ou por uma impugnação da candidatura a senador do ex-presidente Evo Morales nas eleições de 3 de maio, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) adiou uma definição, mantendo um suspense cujo desenlace pode alterar o cenário eleitoral e social no país. O prazo vencia nessa segunda-feira (17), mas, no final da noite, o presidente do tribunal, Salvador Romero, disse que a resolução virá "no prazo mais breve possível", sem marcar uma nova data.

O ex-presidente Evo Morales (à direita) e seu candidato à presidência, Luis Arce Catacora, do partido Movimento ao Socialismo (MAS), durante uma reunião em Buenos Aires, Argentina. 17/02/2020.
O ex-presidente Evo Morales (à direita) e seu candidato à presidência, Luis Arce Catacora, do partido Movimento ao Socialismo (MAS), durante uma reunião em Buenos Aires, Argentina. 17/02/2020. REUTERS/Agustin Marcarian
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Do correspondente da RFI em Buenos Aires

O TSE vai avaliar mais profundamente as demandas contra as candidaturas questionadas, sobretudo contra a do ex-presidente Morales, que deseja concorrer ao Senado por Cochabamba. "O TSE deseja oferecer certeza ao processo eleitoral e, portanto, está numa análise de fundo sobre essas demandas de inabilitação", anunciou Romero, esclarecendo que 60% dos candidatos que estavam sob análise foram impugnados.

Diariamente, uma nova demanda é apresentada não só contra Morales, mas contra outros políticos do partido Movimento ao Socialismo (MAS), como Luis Arce, candidato à presidência, David Choquehuanca, vice na chapa, e contra o ex-chanceler Diego Parcy, agora candidato ao Senado. Arce, ex-ministro da Economia, é investigado por desvio de fundos indígenas para a compra de carros particulares. Mas a questão das impugnações é delicada pelo potencial de causar uma reviravolta, com consequências no ambiente social do país.

Morales foi designado chefe de campanha do seu partido.

Reação social

Seja qual for a decisão, cerca de 65% dos bolivianos que pretendem votar em candidatos da oposição vão festejar se Morales e os seus aliados forem inabilitados e 35% vão protestar. Esses números são os que surgem da mais recente sondagem eleitoral.

Apesar de refugiado na Argentina e de ter ordem de prisão na Bolívia, Morales é a figura central da disputa. Se a sua candidatura não for impugnada, já se preparam maciços protestos na Bolívia. Seriam manifestações dos mesmos setores de classe média urbana que durante três semanas protestaram contra a fraude eleitoral nas eleições de outubro passado e que terminaram com a renúncia de Morales.

O comitê cívico de Santa Cruz já anunciou uma greve por tempo indeterminado com bloqueio de estradas se a definição for favorável a Morales. Por outro lado, se as candidaturas forem impugnadas, haverá uma revolta dos movimentos populares e de indígenas nas periferias e no interior.

Argumentos jurídicos

O principal argumento contra Morales é a Constituição que o próprio ex-presidente impulsionou em 2009. Pelo artigo 149 da Constituição, um candidato ao Legislativo precisa ter vivido durante os dois últimos anos no distrito por onde disputa uma vaga no Congresso. Morales mora fora da Bolívia desde novembro, quando renunciou e ficou asilado inicialmente no México e depois na Argentina.

"Evo Morales deve comprovar domicílio em Cochabamba e sabemos que não tem. A lei eleitoral indica que tudo deve ser comprovado com um certificado de residência legalmente obtido", explica o constitucionalista Luis Vásquez Villamor.

Para os candidatos a presidente e a vice, o período é ainda maior: cinco anos antes das eleições. Isso poderia afetar Arce e Choquehuanca.

No caso de Morales, a situação é mais complicada porque o processo de refúgio político dele na Argentina está a ponto de sair, dando a ele a possibilidade de solicitar residência no solo argentino. O jurista Vásquez Villamor recorda que, de acordo com a Convenção de Viena de 1950 sobre o Estatuto do Refugiado, "Morales não pode participar da vida política nem no Estado originário nem no Estado receptor", acrescenta.

Candidatura para voltar ao poder

Morales precisa da candidatura para se blindar de uma prisão enquanto o processo por sedição e terrorismo continuar em tramitação na justiça. O ex-presidente tem ordem de prisão se voltar à Bolívia, mas tendo um mandato parlamentar ele não poderia ser preso.

Morales também precisa estar na Bolívia para não perder o controle do partido. Desde que deixou o país, o seu poder interno minguou e a sua ausência permitiu o surgimento de novas lideranças na legenda.

"É uma questão de sobrevivência jurídica e política", aponta à RFI o analista boliviano Raúl Peñaranda. "Morales é obrigado a ser candidato para não perder peso político interno. Ausente da Bolívia, ele tem muito menos influência no país", observa. "Se ele for inabilitado pelo Tribunal Supremo Eleitoral, dirá que é uma injustiça e que é perseguido pelo governo. Mas as razões para o inabilitar seriam sensatas: o candidato precisa viver no país e ele pediu asilo, perdendo esse direito", pondera Peñaranda.

Mas há também uma questão menos comentada: como senador, Morales deve presidir o Senado e ficar na linha sucessória em caso de renúncias.

Corrida eleitoral

Se as eleições fossem hoje, segundo a sondagem da consultora CiesMori, o candidato do MAS à presidência, Luis Arce, chegaria em primeiro lugar com 31,6% dos votos. Atrás viriam os representantes da oposição: o ex-presidente Carlos Mesa (2003-2005), com 17,1%, a atual presidente Jeanine Áñez, com 16,5%, e o representante da extrema direita, Fernando Camacho, com 9,6%. A oposição é maioria absoluta, mas está totalmente dividida.

"É possível que o MAS ganhe no primeiro turno com cerca de 30% dos votos, como indicam algumas pesquisas. Mas, num segundo turno, todas as forças contrárias a Morales vão votar no candidato opositor", aposta Raúl Peñaranda.

Porém, numa projeção dos votos em branco, nulos e indecisos, o candidato de Morales chega a 37,7%, enquanto Carlos Mesa ficaria com 20,4%. Na Bolívia, para ganhar no primeiro turno, bastam 40% dos votos com uma diferença de, pelo menos, 10 pontos sobre o rival imediato. O candidato de Morales, portanto, estaria a menos de três pontos de uma vitória logo no primeiro turno.

Essa pesquisa divulgada no domingo (16) acendeu o sinal de alarme nos adversários que agora procuram um acordo para formar uma frente opositora unida e, assim, forçar um segundo turno. Uma reunião da oposição está marcada para o dia 3 de abril, mas é forte a pressão para um acordo bem antes dessa data.

"Por enquanto, não vejo nenhuma chance de união entre os opositores. Vejo como muito importante o papel das sondagens, que terão um efeito de concentração do voto útil porque, independentemente dos candidatos, os eleitores vão votar naquele que mais chances tiver de derrotar Morales", prevê Peñaranda.

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