Evo Morales enfrentará inédito segundo turno na Bolívia e perde controle no Congresso
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Evo Morales ganhou o primeiro turno das eleições bolivianas mas, apesar da vitória, o sabor é de uma amarga derrota para o seu objetivo de um quarto mandato. A contagem oficial de votos foi interrompida, gerando suspeitas de fraude. No Parlamento, Morales perde a hegemonia com a que governou a Bolívia durante 14 anos.
Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires
Se Evo Morales tinha mais chances de ganhar logo no primeiro turno, num segundo, a tendência de vitória se inverteu. É o seu adversário, Carlos Mesa, quem tem agora mais chances de vencer porque toda a oposição tende a unir-se contra um quarto mandato para o presidente.
"Evo Morales não podia considerar a possibilidade de um segundo turno porque sabia que, se não ganhasse no orimeiro, praticamente não teria chances no segundo. Toda a oposição vai se unir como aconteceu no referendo de 2016 que rejeitou esta mesma reeleição", indica à RFI o analista político boliviano, Raúl Peñaranda.
Pela primeira vez em 14 anos de governo, Evo Morales não ganhou com ampla margem. Na primeira eleição, em 2005, obteve 53% dos votos. Na segunda, 64%. Em 2014, 61%. Agora, ficou com 45%, evidenciando o desgaste na sua popularidade. Pela primeira vez, vai enfrentar um segundo turno.
O presidente com mais tempo de poder na Bolívia e aquele que há mais tempo está no poder na América Latina, pela primeira vez, está diante de uma ameaça concreta de não ser reeleito por mais cinco anos.
"Até agora o que se sente é que uma grande parte da população não quer que o autoritarismo se transforme em ditadura e não quer mais corrupção", aponta à RFI o analista Carlos Toranzo.
Resultado parcial
O Tribunal Supremo Eleitoral difundiu a apuração de 83,7% dos votos. Evo Morales obteve 45,7% enquanto Carlos Mesa ficou com 37,8%.
Para ganhar no primeiro turno, Evo Morales deveria superar os 50% dos votos ou ter mais de 40%, mas com uma diferença de, pelo menos, dez pontos de vantagem sobre Carlos Mesa. Essa diferença ficou em 7,9%.
O Tribunal Eleitoral não difundiu os resultados da zona rural, onde o voto em Evo Morales têm mais peso. E para surpresa geral, interrompeu a divulgação, gerando todo tipo de suspeita de fraude.
Vígilia contra fraude
A Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu uma explicação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"É fundamental que o TSE explique por que a transmissão de resultados preliminares foi interrompida", cobrou a OEA em nota.
Há, neste momento, 235 observadores internacionais na Bolívia, dos quais 92 são da OEA. A quantidade de observadores se relaciona com a suspeita de fraude que rondou a eleição à medida que as sondagens indicavam que a disputa seria a mais acirrada dos últimos 14 anos.
O candidato Carlos Mesa alertou a população sobre o risco de uma manipulação e pediu uma vigília para cuidar das urnas.
"O que está acontecendo é grave. Não podemos aceitar que tentem manipular um resultado. Quero alertar a todos a fazerem vigílias em todo o país até que a contagem se reinicie", pediu Mesa.
A oposição sempre acusou o Tribunal Superior Eleitoral de ser controlado pelo "Movimento Ao Socialismo", o partido de Evo Morales.
Alianças contra Evo
O opositor Carlos Mesa festejou o segundo turno como se fosse uma vitória definitiva nas eleições. Mesa convocou toda a oposição a uma união para derrotar Evo Morales.
"Conseguimos um triunfo inquestionável que nos permite dizer que estamos no segundo turno", comemorou. "Abrimos o espaço aos eleitores que escolheram caminhos diferentes. Nosso convite é a construir mais união para estarmos seguros de ter a maioria dos bolivianos", anunciou.
Carlos Mesa governou interinamente a Bolívia entre 2003 e 2005 em meio aos caos social depois da renúncia do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, de quem era vice.
O candidato que ficou em quarto lugar com 4,4% dos votos, o senador de direita Óscar Ortiz, anunciou imediatamente o seu apoio a Carlos Mesa.
O candidato que ficou em terceiro lugar com 8,7%, o pastor evangélico nascido na Coreia do Sul, Chi Hyun Chung, conhecido como o "Bolsonaro boliviano", disse que apoia Carlos Mesa, mas sob condições como o abandono da bandeira pelas questões de gênero.
Já Evo Morales não festejou. E mesmo diante do resultado que, segundo analistas, é irreversível, o presidente pediu que esperassem a apuração na zona rural, postura que ajudou a gerar suspeitas.
"Confiamos no voto do campo. As áreas rurais vão garantir este processo e vão dar os 50% dos votos", afirmou.
A força de Evo Morales baseia-se no crescimento econômico de 4,9% em média durante 14 anos, num salário mínimo que partiu de 54 a 305 dólares e numa redução da pobreza pela metade de 60 a 34%, mesmo que, para isso, fosse necessário reduzir as reservas do Banco Central pela metade, ter déficit fiscal de 8% e aumentar a dívida externa de 28 a 54% do PIB.
Perda de hegemonia
Também sobre a composição do Congresso, os dados são provisórios. Mas os resultados apontam a um equilíbrio.
Na Câmara, dos 130 deputados, o Movimento Ao Socialismo de Evo Morales teria conseguido 62 vagas. A coligação de Centro de Carlos Mesa, Comunidade Cidadã, 56. Porém, juntas, as forças opositoras teriam conseguido 68 deputados.
No Senado, um equilíbrio total. O partido de Evo Morales teria conseguido 18 senadores enquanto o de Carlos Mesa, 17. A oposição unida iguala 18.
Essa nova composição representa uma dura derrota para Evo Morales, quem tinha 2/3 do Congresso e aprovava absolutamente todas as leis que bem quisesse, governando com hegemonia. Isso acaba de mudar na Bolívia.
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