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Linha Direta

Derrota de Macri desarmaria trio Macri-Bolsonaro-Trump na América do Sul

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A eventual vitória do candidato de Cristina Kirchner nas eleições de outubro na Argentina ameaça o acordo com a União Europeia, diminui a pressão sobre Nicolás Maduro e abre espaço para a China e a Rússia na América do Sul, segundo analistas ouvidos pela RFI.

Provável retorno da esquerda ao poder na Argentina romperia aliança formada pelo trio Macri-Bolsonaro-Trump na América do Sul.
Provável retorno da esquerda ao poder na Argentina romperia aliança formada pelo trio Macri-Bolsonaro-Trump na América do Sul. Fotomontagem RFI/ Wikipédia
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Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

A provável derrota da centro-direita do atual presidente argentino romperia um dos pés do tripé Trump-Bolsonaro-Macri, que garantia aliados sul-americanos aos Estados Unidos na sua guerra comercial com a China. A sintonia entre os três dirigentes permite, atualmente, uma posição comum contra o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, e uma integração baseada no livre comércio.

No entanto, com o possível regresso da esquerda de Cristina Kirchner ao poder, a tendência é diminuir a pressão sobre Maduro e surgir um racha ideológico entre direita e esquerda na região. Esse cenário coloca em risco o acordo comercial recém-assinado com a União Europeia, as negociações com os Estados Unidos e até o próprio Mercosul.

As eleições primárias argentinas do último dia 11 funcionaram como um virtual primeiro turno, projetando o que deve acontecer nas eleições em 27 de outubro. Num país onde um presidente é eleito com 45% dos votos, o candidato de Kirchner, Alberto Fernández, obteve 47%. A inesperada diferença de 15 pontos contra o presidente é considerada praticamente irreversível para Macri.

Riscos para o Mercosul

O risco mais imediato é a redução da Tarifa Externa Comum para tornar o bloco mais competitivo. Essa tarifa que funciona como uma barreira protecionista deveria ser reduzida até o final do ano. Outro risco é o Mercosul se tornar um bloco amputado ou irrelevante. A abertura comercial é uma condição do presidente Jair Bolsonaro para o Brasil permanecer no bloco. O ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes, avisou que "se a Argentina fechar a economia, o Brasil sairá do Mercosul".

Em duelo, há dois modelos antagônicos: Macri a favor do livre comércio e o chamado kirchnerismo, favorável ao protecionismo.

Com uma reeleição de Macri, o Mercosul encaminhava-se para consolidar o acordo de livre comércio com a União Europeia. Também havia anunciado o começo das negociações por um acordo comercial com os Estados Unidos. Mas o candidato da oposição, Fernández, já avisou que "vai rever o acordo com a União Europeia". Além disso, o kirchnerismo sempre repudiou um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos.

"Será o enterro da possibilidade de um TLC com os Estados Unidos e a crise de muitos acordos entre Macri e Bolsonaro. Fernández distancia-se de Bolsonaro e de Trump", indica à RFI o sociólogo e analista político argentino Ariel Goldstein, autor do livro "Bolsonaro, a democracia do Brasil em perigo".

"Os TLC com a União Europeia e com os Estados Unidos serão mais difíceis de negociar", concorda Rosendo Fraga, especialista em política internacional. Fraga acrescenta à RFI que "se a Argentina for reticente, Brasil, Uruguai e Paraguai vão avançar sem a Argentina e não se pode descartar que o Brasil feche acordos bilaterais".

Venezuela, divisor de águas

Macri foi pioneiro na região em classificar o regime venezuelano de Maduro como uma ditadura e em pedir a libertação dos presos políticos. Brasil e Argentina lideram o Grupo de Lima, onde estão os países americanos que reconhecem Juan Guaidó como presidente interino.

"A Venezuela será um divisor de águas. É provável que a Argentina saia do Grupo de Lima e que adote uma postura como a de Uruguai e México, mais de mediação e diálogo. Haverá menos pressão argentina sobre Maduro. Isso vai gerar curtos-circuitos com o Brasil e com os Estados Unidos", acredita Goldstein.

Outro provável desfalque argentino será no recém-criado Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), uma iniciativa de governos de direita em contra-posição com o que foi a Unasul. Sem Macri, Trump e Bolsonaro perdem uma peça importante do tabuleiro sul-americano.

China e Rússia à espreita

O governo de Cristina Kirchner (2007-2015) foi marcado por uma aliança incondicional com a Venezuela, além de uma forte aproximação com a China, com a Rússia e até com o Irã, proporcional ao distanciamento dos Estados Unidos.

"Tanto a China quanto a Rússia percebem um retorno do kirchnerismo ao poder como algo melhor do que a reeleição de Macri", afirma Fraga. "Donald Trump precisa dos dois grandes jogadores da América do Sul, Brasil e Argentina, para conter o avanço da China na região. Para isso, a vitória de Macri é crucial. Uma derrota seria um recuo importante para a política de Trump de conservar a região como um mercado para os produtos norte-americanos ", explica à RFI o analista político Raúl Aragón.

Vitórias da esquerda

Há quatro anos, Macri ganhava as eleições na Argentina, inaugurando uma onda de vitórias da direita em todas as eleições na América do Sul. Quatro anos depois, o próprio Macri pode ser derrotado pelo mesmo movimento que o precedeu. Além de Argentina, em outubro, haverá eleições na Bolívia e no Uruguai, últimos bastiões da esquerda.

"Trump disse que era necessário impedir o triunfo de Cristina Kirchner na Argentina porque significava o 'retorno do populismo' na região. A centro-direita se enfraquece e o Brasil passa a ser mais necessário para os Estados Unidos", avalia Fraga, diretor do Centro de Estudos União para a Nova Maioria.

"Dilma Rousseff, Rafael Correa (Equador) e boa parte da esquerda latino-americana percebem a derrota de Macri como uma possibilidade de uma mudança de tendência na região. Essa corrente política vive o retorno ao poder da ex-presidente Kirchner como uma antecipação do que poderia acontecer nos seus países", acrescenta Fraga.

"O conflito ideológico entre Argentina e Brasil será forte. Fernández está com Lula, o maior inimigo de Bolsonaro. Esse é um ponto de não retorno", conclui o sociólogo Goldstein. Em julho, Fernández visitou Lula na prisão. Na semana passada, pediu que "Bolsonaro deixe Lula livre" e que "enfrente eleições com Lula em liberdade".

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