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“Postura do governo brasileiro sobre crise na Venezuela é a pior possível”, diz professor da UnB

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O Brasil perdeu uma grande oportunidade de assumir o papel de principal mediador na busca de uma solução para a grave crise na Venezuela e deve evitar uma “arapuca”, como define a possibilidade de uma intervenção militar no país, caso a medida seja adotada por pressão dos Estados Unidos. A análise é do cientista político Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais e coordenador do Núcleo de Estudos Latino Americanos da Universidade de Brasília.

O cientista político Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB.
O cientista político Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB. Foto: Arquivo Pessoal
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A recente declaração da secretária-adjunta de Estado para o Hemisfério Ocidental, Kimberly Breier, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, de que uma eventual prisão de Juan Guaidó em sua volta à Venezuela seria um “último erro” do presidente Nicolás Maduro, deu novo fôlego à hipótese de intervenção direta, como já sugerida pelo presidente Donald Trump.

Autoproclamado presidente interino da Venezuela, Guaidó se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira, em Brasília, e tinha agendado uma visita ao presidente do Paraguai antes de voltar à Venezuela. Guaidó anunciou que voltará até segunda-feira ao país apesar “das ameaças”. O presidente do país, Nicolas Maduro, disse que na volta, Guaidó deverá “prestar contas à Justiça”.

Segundo Roberto Menezes, a declaração de Kimberley Breier faz parte do processo de desestabilização do governo Maduro, que vem sendo liderado por Washington.

“Neste momento está sob a mesa não apenas uma mediação política dos Estados Unidos, que já deram as costas para isso. O que eles querem é uma mudança de regime”, afirma. “A intenção pode ser tentar convencer o Brasil de entrar em uma arapuca, que seria uma intervenção militar na Venezuela”, acrescenta.

O analista destaca a cautela manifestada por parte dos militares brasileiros em endossar essa opção pela ingerência direta e lembra que o general Mourão “conhece a Venezuela”, pois já serviu como adido militar na embaixada brasileira em Caracas.

“O governo brasileiro tende a resistir, mas nos últimos dois meses o que tem feito é oferecer bases militares para os americanos no país; o presidente é quem tem a caneta e vai dizer se o Brasil vai entrar nessa aventura”, conclui.

Uruguai e México pregam o diálogo e soberania

Na sede da ONU, Rússia e China bloquearam uma resolução encaminhada pelos Estados Unidos para a realização de eleições “livres” na Venezuela. A crise está num impasse, com as forças políticas externas impotentes para encontrar uma solução. 

“A questão é como manter a possibilidade do diálogo, ou seja, uma saída negociada para a crise política e econômica venezuelana. Quem tem insistido nessa possibilidade é o Uruguai e o México, que insistem em que a saída tem que respeitar uma negociação, a soberania do país e uma saída na qual o povo venezuelano seja protagonista”, lembra Menezes.

Segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB, o governo Bolsonaro tem tido a postura “pior possível”.  “O chanceler Ernesto Araújo tem um posicionamento de total alinhamento aos Estados Unidos e não tem refletido de fato aos interesses do Brasil, e a percepção dos interesses nacionais na região”, afirma. 

Menezes diz que o país foi o mais beneficiado desde que a Venezuela virou seu foco de interesse historicamente voltado para os Estados Unidos e Caribe para os países vizinhos da América do Sul. “O Brasil foi beneficiado comercialmente, sobretudo”, lembra, ao citar obras de engenharia na Venezuela e vendas de alimentos, roupas e outras mercadorias que conquistaram um novo mercado no país vizinho.

“A posição foi errática porque pela primeira vez na América do Sul o Brasil deixa de ter a possibilidade de ser um mediador importante", avalia. O Uruguai, que junto com o México, encampa uma postura de investir no diálogo para superar a crise teria dificuldades de assumir a mediação principalmente devido à sua posição geopolítica, segundo ele. “O tamanho e a importância do Uruguai na América do Sul não são suficientes para que conduza o processo nessa direção”, acrescenta. “O México está tentado fazer esse papel entre os Estados Unidos e a Venezuela”.

Roberto Menezes considera equivocada a percepção da chancelaria brasileira de que um alinhamento de  países poderia promover a pressão necessária para uma queda de Maduro.  “A decisão do ministro e de seus assessores foi errônea ao achar que bastava juntar 14 ou 15 países em torno dos Estados Unidos, e que isso levaria a uma saída de Maduro e uma solução rápida”, afirma.

“O Brasil perdeu a possibilidade de costurar um diálogo e pressionar para novas eleições. Os Estados Unidos, que comandam o Grupo de Lima, estabeleceram uma linha que não há mais volta. Por isso, fica agora difícil para o Brasil recuar”, avalia.

Saída de Maduro seria a solução?

Segundo o especialista, um eventual afastamento de Nicolás Maduro não é a garantia de um retorno à estabilidade política no país. “Quem poderia derrubar o Maduro pode não necessariamente entregar o poder para Guaidó ou convocar novas eleições. Há também uma disputa no chavismo. Mas para onde forem as Forças Armadas haverá garantia de quem se colocar no lugar do governo”.

O cenário de uma solução a partir de eleições também não é claro, na medida em que Maduro não aceita essa opção. “A eleição seria legítima se os derrotados aceitassem os resultados das urnas e se houvesse uma supervisão internacional do processo. “Isso é possível, mas para isso é preciso que há um acordo entre as forças políticas venezuelanas, sobretudo entre o chavismo”, comenta. 

Menezes lembra que o ex-candidato Henrique Capriles, que descartou uma solução extremada para insistir nas instituições, atualmente se encontra afastado do cenário político. “A questão é: onde está a saída institucional para a Venezuela? Para mim, é difícil”, conclui.

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