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Cuba precisa esclarecer projeto estratégico de socialismo da futura Constituição, diz especialista

Os cubanos estão sendo chamados a opinar até o dia 15 de novembro sobre uma nova Constituição aprovada pela Assembleia Nacional em julho, que, entre outras reformas, reconhecerá o papel do mercado e a atividade privada na economia da ilha. Ainda é uma incógnita se o debate popular irá enriquecer o texto.

Cubanos consultam exemplar com texto da futura Constituição enquanto aguardam o início de um debate popular em Havana.
Cubanos consultam exemplar com texto da futura Constituição enquanto aguardam o início de um debate popular em Havana. REUTERS/Tomas Bravo
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Na nova Carta Magna, o Partido Comunista de Cuba (PCC) mantém a tutela sobre a sistema político enquanto partido único. Por outro lado, o texto traz avanços no combate às discriminações, abrindo caminho, por exemplo, para o casamento entre homossexuais.

O termo "comunismo", segundo a perspectiva marxista-leninista introduzida pela Constituição de 1976, desaparece da nova Carta, substituído por um modelo de socialismo aberto ao mercado. Até agora, a lei fundamental vinculava Cuba ao sistema de países liderado pela ex-União Soviética e que considerava o socialismo uma etapa de transição entre o capitalismo e o comunismo, visto como ponto de chegada final da revolução.

A futura Constituição cubana incorpora as reformas iniciadas pelo ex-presidente Raúl Castro. O Estado deixa de existir como um órgão de dominação política e assume um papel mais administrativo. São admitidas diversas formas de propriedade: estatal, mista cooperativa, individual e privada, inclusive na agricultura. Os cubanos são estimulados a trabalhar por conta própria, para si mesmos, não apenas para o Estado. Porém, orientado pelo pensamento fidelista, marxista e leninista, o PCC cubano permanece como órgão que conduz o processo de edificação do socialismo.

Na avaliação do professor de História e de Relações Internacionais da Unesp Luis Fernando Ayerbe, ainda não está claro o que significaria o socialismo do ponto de vista estratégico na futura Carta. O especialista considera incoerente que o PCC tenha mantido a denominação "comunista" na sigla, se o objetivo final da revolução está descartado.

Embora a futura Constituição não traga mudanças efetivas no sistema político, alguns artigos abrem perspectivas de mudança nos direitos individuais. As instituições poderão ser transformadas a partir de mecanismos eleitorais, segundo o especialista. Será restituída a figura do presidente da República – atual presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros – e será criado o cargo de primeiro-ministro. O presidente do país terá um mandato de cinco anos, podendo ser reeleito pelo mesmo período. Por outro lado, uma outra reforma manteve o sistema socialista como irrevogável, aponta Ayerbe.

Para o cientista político Carlos Alzugaray, o novo sistema será muito institucionalizado e a agilização no processo de debate tem relação com a falta de carisma do presidente Miguel Díaz-Canel, no poder desde abril. O novo presidente cubano não dispõe da mesma popularidade dos irmãos Fidel e Raúl Castro. "Díaz-Canel quer começar a governar, e Raúl quer que ele dirija o país de maneira diferente dos irmãos Castro", opina Alzugaray.

Modelo chinês

Segundo o historiador Ayerbe, o processo de abertura da China, iniciado por Deng Xiaoping (1904-1997) após a morte de Mao Tse-Tung (1893-1976), serviu de modelo para várias propostas da nova Constituição de Cuba. As autoridades cubanas estudaram em profundidade o Direito chinês, adotando, por exemplo, a ideia do mandato presidencial com reeleição e a idade limite de 60 anos para candidatos.

Um ponto de avanço notável, que contempla anseios das novas gerações, é o casamento definido como a “união entre duas pessoas”, e não mais entre homem e mulher. "A abertura de que o casamento não tem gênero nem definição de sexo também estabelece o direito à não discriminação", destaca Ayerbe. "Isso terá impacto sobre questões de raça, de gênero e de opção sexual, o que é um grande avanço", acrescenta.

Opositores da Mesa de Unidade de Ação Democrática (Muad), que agrupa várias organizações dissidentes, elogiaram a proibição de discriminação por raça, credo, gênero e limitações físicas prevista no novo texto, mas exigem igual posição em relação a outros direitos humanos.

Cerca de 8,5 milhões de cubanos maiores de 16 anos, de uma população de 11,2 milhões, estão convocados a opinar sobre o texto em 135.000 assembleias de consultas populares que se realizarão em sindicatos, centros estudantis, e nos bairros. O novo texto está à venda por um preço simbólico em exemplares impressos. Os critérios expostos pela população serão recolhidos por escrito e transferidos diariamente a um centro de processamento, até 15 de novembro, data que encerra o debate público. "Mas é difícil saber qual será a elasticidade de aceitação das sugestões dos cidadãos", diz Ayerbe.

Pela primeira vez, os cubanos emigrados poderão participar de um debate político da ilha, ao enviar seus critérios por via digital, em um site que a chancelaria cubana habilitará no começo de setembro. O governo estima em 1,4 milhão o número de cubanos no exterior, dispersos em 120 países, embora com núcleos muito importantes nos Estados Unidos, na Espanha, no México e na Colômbia.

O texto resultante da "consulta popular" será submetido a referendo vinculante em 24 de fevereiro de 2019. A data lembra o começo da Guerra de Independência de Cuba contra a coroa espanhola, em 1895.

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