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Brasil-Mundo

Universidade em Washington tem a maior biblioteca brasileira no exterior

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Algumas pessoas nasceram para desbravar fronteiras. No caso da carioca Duília de Mello, as fronteiras podem ser tanto terrestres quanto espaciais. Além de ser astrofísica e pesquisadora da NASA (Agência Aeroespacial dos Estados Unidos) especialista em análise de imagens do Telescópio Espacial Hubble, Dúlia é vice-reitora da Universidade Católica da América, em Washington, que tem a maior biblioteca brasileira no exterior.

A Biblioteca Oliveira Lima é a maior coleção brasiliana no exterior.
A Biblioteca Oliveira Lima é a maior coleção brasiliana no exterior. Natasha Henrich
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Desde a juventude, Duília demonstrava uma enorme curiosidade intelectual combinada com um constante desejo de explorar novos horizontes. O currículo de ciência nas escolas brasileiras das décadas de 1970 e 1980 era limitado. A curiosa menina tentava descobrir mais, assistindo a programas de televisão sobre o espaço, como Cosmos, estrelando Carl Sagan. Ela também contemplava por longas horas o céu noturno, o que chamava a atenção das amigas de Duília, que até a alertavam que olhar tanto para cima causava torcicolo.

“Eu gostava muito de ficção científica, era vidrada em Cosmos, com Carl Sagan. E não sou uma menina nerd tímida, sou faladeira. Eu tinha muitas amigas e minhas amigas falavam que eu deixava todo mundo de pescoço duro”, lembra a astrofísica de 54 anos.

No mundo masculino da física

Na hora do vestibular, o curso de Astronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro foi uma decisão natural. A mãe de Duília sempre a educou para ser forte e independente. Por isso, ela nunca se sentiu intimidada por ser mulher em um ambiente predominantemente masculino, como a física. A experiência universitária, com professoras que eram cientistas renomadas, reforçou ainda mais sua confiança natural, tanto como mulher quanto como profissional. Foi somente depois de formada e de trabalhar no exterior que ela se deu conta que as mulheres ainda precisavam batalhar para ter uma presença equivalente à masculina no mundo da física.

“Eu não parava para pensar nisso. Só parei para pensar que tinha menos meninas, menos mulheres, quando saí do Brasil. Claro que tinha mais homens, mas (a diferença) não era gritante. Mas quando eu comecei a sair do Brasil, eu comecei a ver que não era assim”, conta a vice-reitora.

Duília continuou firme na carreira, completou mestrado e doutorado, e foi conquistando o respeito e a admiração dos colegas.

A descoberta de uma supernova

Em 1997, ela ganhou notoriedade ao descobrir uma supernova enquanto trabalhava no Observatório Europeu do Sul, no Chile. A descoberta e o interesse do público levaram Duília a desenvolver um novo talento – o de professora.

Há 12 anos, a astrofísica é professora da Universidade Católica da América, onde leciona um dos cursos mais procurados por estudantes de áreas não relacionadas à física. A popularidade de suas aulas se deve à personalidade forte de Duília e à sua capacidade de explicar conceitos complicados a leigos.

Apesar de gostar de lecionar e interagir com alunos, ela também queria ocupar um papel de liderança e fazer diferença na universidade. Determinada a atingir mais essa meta, ela procurou o reitor da instituição e se ofereceu para contribuir na área administrativa. O reitor ficou surpreso com o interesse da professora de física, mas, acabou lhe oferecendo o cargo de vice-reitora de avaliação, que foi criado especialmente para Duília.

“Quando decidi que iria para a reitoria como vice-reitora, fui com a intenção de ter uma maior influência na educação americana, na educação brasileira e na educação do mundo. A minha intenção era também dar promoção à mulher, tentar ter papéis mais importantes mesmo de poder de decisão”, conta a astrofísica.

Biblioteca Oliveira Lima

Além do cargo na reitoria, Duília também assumiu a responsabilidade de administrar um dos grandes tesouros da universidade: a biblioteca Oliveira Lima. Esta é a maior biblioteca brasileira localizada fora do Brasil, com cerca de 60 mil itens, incluindo livros, manuscritos, panfletos, fotografias e obras de arte. Em 1916, o acervo foi doado à universidade pelo diplomata, historiador e jornalista Manoel de Oliveira e Lima (1867-1928).

A coleção inclui trabalhos extremamente valiosos, como “Rervm per octennivm in Brasilia” (História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil) de Gaspar Barlaeus, um livro raro publicado em 1647 sobre os feitos de Mauricio de Nassau no período que governou o Brasil holandês; Les Singvlaritez de la France Antarctiqve, Avtrement nommee Amerique & de plusieurs Terres & Isles decouvertes de nostre temps (As singularidades da França Antártica, a que outros chamam de América) de André Thevet, o primeiro livro francês sobre o Brasil, publicado em 1558. O acervo tem também obras dos artistas Antôno Parreiras (1860-1937), Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) e Frans Post (1612-1680), o primeiro pintor de paisagens do continente americano. Além disso, há milhares de correspondências com os principais intelectuais e escritores da época, como Machado de Assis, Monteiro Lobato e Euclides da Cunha.

A biblioteca também representa outra mulher de grande valor cultural, a mulher de Oliveira Lima, Flora Cavalcanti de Albuquerque (1863-1940). Segundo a socióloga e pesquisadora contratada por Duília para organizar a biblioteca, Nathalia Henrich, Flora foi “as duas mãos de Oliveira Lima”, pois era ela quem colocava no papel todos os trabalhos literários do diplomata e organizava o acervo do marido.

Centro de referência sobre o Brasil

A vice-reitora coordena atualmente uma proposta de construção de um novo espaço, que terá a biblioteca Oliveira Lima como um dos seus pilares. No momento, ela está planejando a captação de recursos para executar o projeto que abrigará o maior centro brasileiro na capital americana.

“A ideia é que a biblioteca cresça e realize o que foi o sonho inicial de Oliveira Lima, se tornando um centro de referência de estudo e pesquisa sobre o Brasil nos Estados Unidos. Um lugar para disseminar a cultura, a história, as artes e o nosso idioma”, diz Nathalia.

Mesmo com tantas credenciais e conquistas, Duília conta que, às vezes, ainda enfrenta preconceito por ser uma mulher latino-americana. Mas a vice-reitora e astrofísica não chegou onde está por acaso e passa por cima desse tipo de obstáculo.

“De vez em quando acontece de a gente sentir que tem de dar uma carteirada. Às vezes, não é nem por maldade, é só por ignorância. As pessoas assumem logo que você é uma mulher e que você é burra. Então, a gente tem de lembrar que mora numa cultura assim, que para sobreviver você tem de se destacar”, fala Duília.

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