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Nopal, o alimento do futuro?

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A solução para acabar com a má nutrição e a fome mundial nas próximas décadas é um cacto típico do continente americano, que tem um aspecto suculento, é considerado uma praga em outros países e é conhecido como nopal. Essa é mais nova recomendação da FAO, a agência das Nações Unidas dedicada à alimentação e à agricultura.

Nopal, o cacto mexicano que é apontado pela FAO como o alimento do futuro
Nopal, o cacto mexicano que é apontado pela FAO como o alimento do futuro Creative Commons
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Gustavo Poloni, correspondente da RFI na Cidade do México

O nopal ganhou status de alimento importante para o futuro por muitos fatores. O primeiro e mais importante é que o nopal é rico em muitos dos micronutrientes necessários para uma alimentação equilibrada e saudável. Ele é uma boa fonte de fibra, fósforo, potássio, magnésio, alumínio, ferro, cálcio, aminoácidos, clorofila, proteína e vitaminas A, B, C e K.

Além disso, esse tipo de cacto tem capacidade para crescer e se reproduzir de forma abundante em zonas áridas e secas, que hoje constituem mais de 40% da superfície da Terra. Para você ter uma ideia melhor, alguns tipos dessa planta podem sobreviver a temperaturas de até 66 graus Celsius.

No momento em que as temperaturas globais não param de aumentar por causa dos efeitos do aquecimento global, isso é ótimo para países que sofrem com chuvas erráticas ou escassas.

E, por fim, por se tratar de uma planta que cresce em praticamente qualquer situação e que não precisa de muitos cuidados, cultivá-la é muito fácil e barato. Ou seja, o nopal pode ser produzido em massa em países pobres, onde parte da população passa fome.

Outros benefícios

Além de ajudar a combater a fome, o nopal oferece outros benefícios. Do ponto de vista da saúde, o cacto tem efeito anti-inflamatório e é usado há muitos anos para curar doenças de pele, traumas, contusões e queimaduras.

Mais recentemente, estudos científicos mostraram que a planta tem propriedades anticancerígenas e, dependendo da forma como é preparado, pode diminuir a concentração de glicose no sangue e regular o nível do colesterol.

Além disso, é usado como remédio para gastrite, para cólicas intestinais e, menos frequentemente, para tratar doenças pulmonares e ajudar no parto. Além de curar e alimentar, o cacto armazena água em suas ramificações, o que faz dele uma espécie de poço de água botânico capaz de reter até 180 toneladas de água por cada hectare de plantação.

O nopal ainda melhora a qualidade do solo e, por isso, ajuda a aumentar a produção de outros alimentos. Para completar, um estudo mostrou que incluir esse cacto na dieta do gado pode reduzir a quantidade de metano produzido pelos animais na alimentação. E, como se sabe, esse tipo de gás é um dos causadores do efeito estufa e do aquecimento global.

Crise hídrica

O nopal já foi testado em alguma situação de calamidade pública. A ilha de Madagascar, na costa leste da África, sofre há três anos com uma seca severa, que praticamente acabou com as plantações de arroz, milho e mandioca – base da alimentação local.

Some-se à essa crise hídrica o fato de que nove em cada dez habitantes do país estão oficialmente na linha de pobreza e criou-se uma situação perfeita para a má nutrição e a fome. E foi exatamente nesse contexto que começaram a usar o nopal como alimento.

O cacto foi levado à ilha pela primeira vez no século 17, pelas mãos dos franceses, mas os moradores locais nunca deram muito valor para ele. Hoje, o cacto está literalmente salvando a vida da população local. Não apenas pelas qualidades nutricionais, mas também porque a água armazenada pode ser consumida pelas pessoas e pelos animais.

O cacto é originário do México, onde restos fossilizados de nopal foram encontrados em todos os sítios arqueológicos do país. Ele começou a ser domesticado há nove mil anos e, junto com o agave (outra planta suculenta), o milho e o feijão, foi o principal alimento de grupos chichimecas, uma das civilizações pré-hispânicas.

Naquela época, o cacto era chamado de nohpalli (que em náuatle, o idioma falado pela população da época, quer dizer “árvore que carrega tunas”, o nome da fruta) e só ganhou o nome que conhecemos hoje com a chegada dos espanhóis ao país.

Aliás, os conquistadores se surpreenderam com a planta quando chegaram por aqui, em 1519, chamando-a de monstruosa. Das 20 espécies de nopal que existiam naquela época, menos de cinco sobreviveram.

Mas o cacto é tão importante na cultura mexicana que pode ser visto até no símbolo que estampa a bandeira do país. Ele mostra uma águia comendo uma serpente em cima de um nopal que nasceu numa pedra. Essa imagem tem uma explicação histórica muito importante.

Diz a lenda que os astecas (outro povo pré-hispânico) viviam humilde e tranquilamente em Aztlán quando um dos principais deuses comunicou aos sacerdotes que eles deveriam abandonar a cidade para buscar uma nova terra, onde encontrariam poder e riqueza.

Segundo esse deus, a terra prometida seria onde eles encontrassem uma águia comendo uma serpente em cima de um nopal que nasceu numa pedra. Logo os astecas saíram em busca dessa cena rara e a encontraram no meio de um lago justamente onde hoje está a Cidade do México.

Instruções de uso

O nepal pode ser preparado de várias maneiras: refogado, assado, cru na salada, cozido na sopa, batido no suco, em doces ou até mesmo licores. A primeira e única vez que comi esse tipo de cacto foi numa feira de rua. Assim como os brasileiros vão às feiras para comer pastel, os mexicanos fazem a mesma coisa para comer tacos, quesadillas, enchiladas, chilaquiles, tlacoyos e outros pratos típicos da culinária local.

E muitos deles podem ser comidos acompanhados de nopal temperado. A sensação que tive quando comi foi que ele tem uma baba e uma textura que lembram muito o quiabo. Particularmente, não faz muito o meu gosto.

Mas dizer isso para um mexicano é praticamente uma ofensa: o consumo per capita de nopal é de seis quilos e quatrocentos gramas ao ano. É muita coisa. O México, aliás, é o principal produtor de nopal do mundo.

De acordo com a FAO, o país conta com três milhões de hectares plantados, que produzem algo em torno de 800 mil toneladas da planta ao ano.

Hoje o nopal é plantado em muitos países do mundo, incluindo o Brasil, e comer o cacto já se transformou em um hábito na Espanha, no Peru e, principalmente, na Itália, onde virou uma tradição gourmet na Sicília.

Insetos para acompanhar

O nopal não é o único alimento pouco usual a ser apontado pela FAO como o futuro da alimentação. O outros são os insetos. Isso mesmo, esses bichos que muita gente tem nojo só de ver.

De acordo com a FAO, a população do planeta deve atingir nove bilhões de pessoas em 2050, e alimentar todas elas será um grande desafio para as futuras gerações.

Para tentar evitar a má nutrição, o órgão recomenda que os insetos sejam acrescentados à alimentação porque são ricos em proteína, vitaminas e aminoácidos. Além disso, eles são fáceis de produzir e não emitem gases que causam o efeito estufa.

Comer inseto não é nenhuma novidade. Há séculos povos comem grilos, formigas, tarântulas, cigarras, larvas e até escorpião. Fora dos Estados Unidos e da Europa, até 80% das pessoas ingerem algum tipo inseto na sua dieta regular.

Aqui no México, por exemplo, é comum encontrar pessoas vendendo pelas ruas das cidades gafanhotos fritos, conhecidos como chapulines. Também é normal encontrar larvas nas garrafas de tequila ou mescal, e beber uma delas é um privilégio.

E uma das iguarias mais apreciadas nos melhores restaurantes do país é o escamol, feito de ovos de formiga. É também conhecido como o caviar mexicano. Mas confesso que isso eu ainda não tive coragem de experimentar, não.

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