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Linha Direta

Uma mulher é assassinada a cada 3 horas e meia no México

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Os casos de feminicídios dobraram nos últimos 10 anos no México. Durante esse período, mais de 22 mil mulheres foram assassinadas. O problema, que ganhou notoriedade na década de 1990 numa cidade dominada pelo tráfico de drogas na fronteira com os Estados Unidos, tomou conta de todo o país. 

A violência contra as mulheres e nas últimas semanas, casos de feminicídios registrados no país resultaram em protestos pelas ruas da capital mexicana.
A violência contra as mulheres e nas últimas semanas, casos de feminicídios registrados no país resultaram em protestos pelas ruas da capital mexicana. RONALDO SCHEMIDT / AFP
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Gustavo Poloni, correspondente da RFI no México 

Entre as várias facetas da violência no México, onde quase todos os índices de criminalidade aumentaram nos últimos meses, um em especial chama a atenção: a violência contra as mulheres. Nas últimas semanas, casos de feminicídios registrados no país resultaram em protestos pelas ruas da capital mexicana. No início de outubro, foram descobertos de uma só vez os corpos de cinco jovens embaixo de uma ponte na cidade de Puebla, a 110 quilômetros da capital. O caso, que aterrorizou o país, é só a ponta mais visível de um grave problema. 

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Geografia do México, o número de feminicídios saltou de mil, em 2007, para mais de 2,7 mil no final do ano passado. É mais do que o dobro. Durante esse período, mais de 22 mil mulheres foram mortas. Hoje, algo em torno de sete mulheres são vítimas desse tipo de crime por dia no México. É um caso a cada 3 horas e meia.

Para tentar chamar a atenção das autoridades, milhares de mulheres começaram a protestar, tanto nas ruas como nas redes sociais. Durante os meses de setembro e outubro, hashtags como #NoFueTuCulpa (não foi sua culpa, em português) e #NiUnaMas (nem uma mais) ficaram entre as mais populares do Twitter. 

Caso de Mara Fernanda Castilla Miranda

O que mais chama a atenção é que o problema é grave até em regiões mais desenvolvidas, como a capital do país. Outros lugares no topo da lista do feminicídio são o Estado do México e o de Morelos. Mas foi no Estado de Puebla que se registraram os casos que resultaram na grande onda de protestos das últimas semanas. No dia oito de setembro, a jovem Mara Fernanda Castilla Miranda, de apenas 19 anos, voltava de uma festa com amigos quando o veículo em que estava foi parado por uma blitz da Lei Seca. Como já passava das cinco da manhã, ela resolveu pedir um carro no serviço Cabify - um concorrente do Uber -, para seguir caminho e chegar em casa o quanto antes.

O que aconteceu a partir de ali é um mistério. A polícia afirma que o motorista que pegou a corrida levou-a para perto da sua casa, mas câmeras mostram que Mara nunca desceu do carro. Em seguida, o motorista se registrou num motel e lá ficou por volta de duas horas. Dias depois, o corpo de Mara foi encontrado com sinais de violência sexual e enrolado nos lençóis desse mesmo motel. O motorista foi preso, mas nega as acusações. Por causa do incidente, o Cabify teve suas operações suspensas em Puebla.    

Os casos de feminicídios começaram a ganhar notoriedade no México em 1993, quando foram denunciados assassinatos de mulheres em Ciudad Juárez, na fronteira com os Estados Unidos – considerada por muitos anos uma das cidades mais perigosas do mundo por causa das quadrilhas de tráfico de drogas. Em sua maioria, as vítimas eram mulheres jovens e de origem humilde, que foram raptadas, mantidas em cativeiro e sujeitas a um violento abuso sexual antes de serem assassinadas e terem seus corpos deixados em terrenos baldios. Algumas nunca foram encontradas por seus amigos e familiares.

Em 2010, a Ciudad Juárez chegou a registrar 60 feminicídios a cada grupo de 100 mil mulheres. O índice era seis vezes maior do que o limite considerado endêmico pela Organização Mundial da Saúde para assassinatos em geral. Aliás, foi em Ciudad Juárez que as cruzes rosas que hoje simbolizam o feminicídio surgiram pela primeira vez. 

Uma questão "cultural"

Alguns fatores explicam essa onda de assassinatos de mulheres no México. O principal deles é uma questão "cultural", e também um dos maiores problemas do país: o machismo. Até alguns anos atrás, as mulheres praticamente não saiam de casa no país. Seus maridos obrigavam-nas a cuidar de casa e dos filhos. 

Isso mudou, claro, e hoje as mulheres estão bem mais presentes em posições de destaque na sociedade. O problema é que, para muitos homens, elas continuam sendo objetos, que podem ser apropriados, usados e cuja principal função na vida é servi-los. 

Se juntar o machismo com a impunidade do feminicídio no México, cria-se uma combinação perfeita para que o problema cresça sem parar. 

Fim da impunidade

As mulheres que protestam contra o feminicídio pedem duas coisas em especial. A primeira é pelo fim da impunidade. O Observatório Nacional Contra o Feminicídio estima que 60% dos casos no país acabam sem solução, muitas vezes por negligência da polícia. É normal ouvir falar de casos em que as autoridades pediram para que as famílias paguem alguma quantia para que o caso siga aberto. Ou então, que procurem por indícios do crime por sua própria conta e risco.

O outro pedido das mulheres é que os casos de assassinatos não sejam tratados como um crime comum, mas sim como feminicídio. Um exemplo dessa situação foi visto em maio deste ano, quando o corpo da estudante Lesvy Berlín Rivera Osorio foi encontrado enforcado e com sinais de violência numa cabine telefônica no campus da Universidade Autônoma do México, a maior e mais importante do país. 

Apesar das evidências mostrarem o contrário, a Procuradoria Geral de Justiça da capital logo concluiu que se tratava de um caso de suicídio. Os colegas e familiares da jovem não se conformaram com a versão e pediram uma nova perícia. Cinco meses depois, uma reviravolta no caso: o namorado de Lesvy foi preso sob acusação de homicídio doloso.

Casos como esse são comuns no México. A morte de outra jovem, Mía Chávez Guzmán, foi considerada acidental pela polícia. Até hoje sua mãe pergunta: como pode ser considerada acidental se ela tinha 14 facadas espalhadas pelo corpo?

Ações do governo mexicano

O governo tem tentado um pouco de tudo para tentar acabar com o problema. No final ano passado, foi lançada a primeira campanha para tentar acabar com o problema. Batizada de “Não deixemos que eles arranquem a nossa vida”, ela tinha como objetivo alertar para o problema e abrir um canal para que as mulheres possam fazer uma denúncia anônima sobre casos de feminicídio.

Já no início deste ano, os deputados mexicanos aprovaram uma reforma no artigo 167 do Código Nacional de Procedimentos Penais, que endurece as penas para os crimes cometidos contra as mulheres. Se antes os acusados podiam responder ao processo em liberdade, colocando em risco a vítima e as suas testemunhas, hoje eles são presos preventivamente e são julgados por um delito grave, que pode resultar em até 60 anos de cadeia.

Apesar das medidas, o problema segue aumentando. Tem muita gente que acredita que só reeducando as novas gerações é que vamos ver uma redução no feminicídio. O problema é que isso leva muitos anos para se alcançar.

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