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Argentina/Operação Condor

Argentina pune Operação Condor e leva justiça à América do Sul

Em sentença histórica, a Justiça argentina define a Condor como uma organização criminosa internacional. Modelo de perseguição e morte ao qual o Brasil pertenceu, a operação foi inspirada na França e pretendia agir também em território francês.

Em foto de 2013, o ex-presidente e general Reynaldo Bignone durante julgamento da Operação Condor.
Em foto de 2013, o ex-presidente e general Reynaldo Bignone durante julgamento da Operação Condor. REUTERS/Enrique Marcarian
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Do correspondente da RFI em Buenos Aires

Após 16 anos de investigações e três anos de audiências, a Justiça argentina fez história ao condenar a penas entre 8 e 25 anos de prisão a 14 ex-militares argentinos e um uruguaio, responsáveis pela execução da Operação Condor, uma aliança entre seis ditaduras sul-americanas formada há 40 anos. Entre os condenados a 25 anos estão os comandantes Santiago Riveros e o coronel uruguaio Manuel Cordero. Já Reynaldo Bignone (1982-83), último ditador argentino, foi condenado a 20 anos. Dois acusados foram absolvidos.

Os três juízes do Tribunal Oral Federal 1 consideraram que os regimes militares da Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia formaram uma quadrilha internacional de crimes de lesa humanidade contra 105 vítimas, sendo 45 uruguaios, 22 chilenos, 14 argentinos, 13 paraguaios e 11 bolivianos. Os sequestros aconteceram na Argentina (89), no Pataguai (5), no Uruguai (4), na Bolívia (4) e no Brasil (3).

"Lamentamos pelos pais e pelas mães que morreram nessa procura pelos seus filhos. Também pelos repressores que morreram e que hoje não se sentaram no banco dos acusados", refletiu ao ouvir as sentenças Nora Cortiñas, líder das Mães da Praça de Maio, para quem "a perseverança dá frutos".

O voo macabro do Condor não tinha fronteiras

A chamada Operação Condor foi considerada pela justiça como uma associação ilícita criada para desaparecer com pessoas para além das fronteiras de um país. O plano coordenava a ação repressiva internacional das Forças Armadas e das Inteligências das ditaduras do Cone Sul. Entre os perseguidos e eliminados estão militantes políticos, sociais, sindicais, jornalistas e estudantes.

A operação foi criada em 28 de novembro de 1975 em Santiago no Chile. No chamado Arquivo do Terror do Paraguai foi encontrada uma cópia do convite que o Departamento de Inteligência Nacional do Chile (DINA) enviou para "promover a coordenação e para estabelecer algo semelhante ao que a Interpol tem em Paris, só que dedicado à subversão". Chile, Argentina e Uruguai foram os países mais entusiastas. O Brasil somou-se depois ao grupo.

Sequestrados ilegais aconteceram no Brasil

Embora nesse julgamento não apresente casos de brasileiros, o Brasil aparece em quatro casos. O único estrangeiro condenado, o coronel uruguaio Manuel Cordero (77 anos) foi extraditado em 2007 do Brasil à Argentina.

Pelo lado das vítimas, três argentinos foram presos ilegalmente no aeroporto do Galeão, ao desembarcarem em voos originados no México. Os três pertenciam ao grupo guerrilheiro argentino Montoneros e foram ao Brasil para uma reunião com o objetivo de organizar a militância para uma contra-ofensiva na Argentina.

Em 1978, Norberto Habegger foi sequestrado por agentes da Polícia Federal argentina junto com membros das Forças Armadas e de segurança do Brasil. Em 1980, Mónica Susana Pinus de Binstock e Horacio Campiglia foram separados ainda na pista de aterrissagem do resto dos passageiros por militares brasileiros, enquanto gritavam os seus nomes e denunciavam estar sendo sequestrados. A polícia brasileira agia a pedido da argentina ou a argentina passava ao lado da fronteira brasileira e agia como local.

"Este julgamento é muito importante porque aqueles países que não tiveram uma investigação judicial como esta ou aqueles que não têm um processo de justiça, como é o caso do Brasil, podem ter acesso a uma sentença na qual os seus parentes estejam incluídos numa causa judicial com provas e com condenados", explica à RFI Brasil Luz Palmás Zaldua, advogada do prestigioso Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) que impusionou o processo e que também representou os argentinos sequestrados no Brasil.

"As informações deste processo aqui na Argentina servem judicialmente agora e no futuro para investigações e servem para a reconstrução histórica do que aconteceu na região com o terrorismo de Estado", acredita Palmás Zaldua, quem coordenou a equipe de Memória, Verdade e Justiça tanto da causa Operação Condor, quanto da Automotores Orletti, campo clandestino de concentração e tortura específico para o sequestrados pela Condor.

Justiça tardia

Entres os acusados estava o ex-ditador Rafael Videla (segundo à direita), morto em 2013.
Entres os acusados estava o ex-ditador Rafael Videla (segundo à direita), morto em 2013. AFP PHOTO / Juan Mabromata

Até 2006, duas leis de anistia e indultos garantiam a impunidade na Argentina. Embora, a primeira denúncia sobre a Operação Condor tenha sido apresentada em 1999, somente em 2013 começaram as 222 audiências da causa. No início do processo, 32 pessoas foram indiciadas. Em março de 2013, restavam 25. Chegaram ao julgamento apenas 17 dos acusados. Os demais foram afastados por questões de saúde ou faleceram, como o ditador Jorge Rafael Videla, que chegou a ser interrogado três dias antes da sua morte em 2013.

Há alguns anos, foram solicitadas, mas negadas, as extradições de ditadores como o chileno Augusto Pinochet, o paraguaio Alfredo Stroessner e o boliviano Hugo Banzer. Os três faleceram sem nenhuma condenação.

A Operação Condor teve três fases: a identificação dos opositores, a eliminação ou o sequestro na fronteira ampliada dos países sul-americanos envolvidos e a eliminação dos exilados em outros países do continente americano e na Europa.

Documentos desclassificados pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos permitiram descobrir, por exemplo, que a França era um país no qual os militares sul-americanos pretendiam atuar. A terceira fase, no entanto, foi abortada pelos Estados Unidos depois do assassinato de Orlando Letelier em Washington, em setembro de 1976, por um ex-agente de inteligência do Chile e da CIA. Letelier fora chanceler do presidente chileno, Salvador Allende, derrubado pelo ditador Augusto Pinochet.

EUA tiveram participação importante

Os Estados Unidos tiveram papel fundamental na consolidação das fases prévias da Operação Condor. Os computadores usados para guardar a informação das potenciais vítimas foram fornecidos pela CIA. Nenhum país possuía tal tecnologia na época. O sistema de comunicações protegidas tinha como base uma instalação dos Estados Unidos no Canal do Panamá.

"Sou de uma geração de filhos das vitimas da ditadura. Tenho amigos cujos pais são desaparecidos. São histórias tremendas do ponto de vista pessoal, mas também social e político. É algo muito importante para mim como militante política, como argentina, como advogada. Isto atravessa todos os aspectos da minha vida", desabafa a advogada do CELS Luz Palmás Zaldua, uma das responsáveis pela histórica sentença.

Essa pode ser apenas a primeira condenação. Outros 380 casos estão ainda na fase de investigação. O número de vítimas totais da Operação Condor é uma incógnita. Nos Arquivos do Terror do Paraguai, foram descobertas cifras que dariam uma dimensão do terror: 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos e 400 mil presos.

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