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Argentina/calote

Argentina inaugura o primeiro calote por impasse judicial da História

O prazo de 30 dias que a Argentina tinha para chegar a um acordo com os credores que não aceitaram as reestruturações anteriores da dívida venceu nesta quinta-feira (31). A Justiça obrigou o país a pagar US$ 1,650 bilhão aos fundos especulativos, mas o governo recusou a pagar a sentença.

O vice-ministro da Economia, Axel Kicillof, durante coletiva no consulado da Argentina em Nova York. 30 de julho de 2014.
O vice-ministro da Economia, Axel Kicillof, durante coletiva no consulado da Argentina em Nova York. 30 de julho de 2014. REUTERS/Carlo Allegri
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Com a decisão, o país entra em defaut técnico, seletivo ou transitório. A Argentina inaugurou o primeiro calote da História por impasse judicial ao não chegar a um acordo com os chamados fundos abutres.

A sentença judicial obriga o país a pagar 1,650 bilhão de dólares a esses fundos especulativos que não aceitaram as reestruturações anteriores de 2005 e de 2010. Também obriga a quitar essa dívida antes de continuar a pagar aos credores normalizados, que representam 92,4% do montante de US$ 102 bilhões declarados em moratória em dezembro de 2001.

O governo argentino não aceitou cumprir com a sentença e não ofereceu nada que levasse os abutres a concordarem com uma liminar que permitisse à Argentina ganhar mais tempo de negociação. Com isso, os 539 milhões de dólares que o país depositou há mais de um mês para pagar aos credores em dia vão continuar congelados. Sem que os credores recebam, o país entrou em moratória.

A agência classificadora de risco Standard & Poor's declarou a dívida argentina em "default seletivo".

Governo lamenta que fundos não aceitaram proposta de renegociação

Mesmo diante de uma sentença que ordena o país a pagar integralmente a dívida, o ministro da Economia argentino, Axel Kicillof, lamentou que os fundos abutres não tenham aceitado uma proposta de receber menos dinheiro como aqueles que aceitaram as reestruturações anteriores com 66% de desconto e prazo de pagamento até 2038.

“Essa oferta não foi aceita pelos fundos abutres. Não foi aceita porque evidentemente querem mais. Não vamos assinar nada que comprometa o futuro dos argentinos”, anunciou Kicillof. “Vamos tomar medidas, ações, instrumentos dos nossos contratos, do direito nacional e internacional para que esta situação insólita, inédita e injusta não se perpetue no tempo”, advertiu, sem recordar que foi a própria Argentina que escolheu Nova York como jurisdição que desse credibilidade aos títulos da dívida.

A sentença do juiz Thomas Griesa foi retificada em segunda instância pela Câmara de Apelações e convalidada pela Corte Suprema que rejeitou inclusive tratar do assunto. O ministro ainda mostrou-se surpreso com a nota do mediador judicial, Daniel Pollack, dizendo disse que “a Argentina estará iminentemente em default” e que isso “não é uma mera condição técnica”, “é um evento real e doloroso” e que “a última vítima será o cidadão argentino”.

“Fico surpreso com o comunicado. Parece escrito para favorecer uma das partes", avaliou Kicillof.

Bancos tentaram negociação paralela

Os bancos privados argentinos tentaram uma negociação direta com os fundos abutres para comprar a dívida, evitar um calote que também afeta os seus balanços patromoniais e negociar depois domesticamente com o governo. Mas as negociações, por enquanto, também fracassaram quando os representantes dos fundos especulativos entenderam que o ministro Kicillof não reconhecia a negociação. A reunião foi adiada para esta quinta-feira.

"Podem aparecer soluções entre privados", admitiu Kicillof, desvinculando o Estado das negociações.

A preocupação por não envolver o Estado numa negociação está associada à cláusula RUFO (Rights Upon Future Offers ou Direitos Sobre Ofertas Futuras). A cláusula estabelece que, se a Argentina conceder voluntariamente uma melhora parcial a qualquer credor, está obrigada a estender a mesma vantagem a todos os credores.

Calote pode gerar outros defaults

Pelos cálculos do governo, a RUFO pode permitir demandas por, no mínimo, UU$ 120 bilhões. Como a cláusula vence em 31 de dezembro, a única estratégia argentina era conseguir levar qualquer acordo a janeiro.

A sentença de Griesa cria jurisprudência para outros "holdouts" que já demandam a Argentina em Nova Iork e pela Europa. Seriam outros US$ 15 bilhões, mais da metade das atuais reservas internacionais do Banco Central argentino, de US$ 29 bilhões.

Mesmo o default pode disparar ainda outro grande problema: o cross default. Se um país não paga um título público, os credores podem pedir o pagamento antecipado de todos os títulos soberanos desse Estado. Essa aceleração (ou cobrança antecipada) dos compromissos de longo prazo, só se requer apenas o apoio de 25% dos credores.
 

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