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África do Sul

África do Sul: partido de Zuma, fundado por Mandela, sai despedaçado de casos de corrupção

Na véspera de um provável impeachment no Parlamento e com a perda do apoio do próprio partido -  o ANC, Congresso Nacional Africano -, o presidente sul-africano renunciou ao mandato, enfraquecido por graves denúncias de corrupção. Ele deixa para trás não apenas a sua biografia manchada, após quase nove anos à frente de um governo durante o qual o país despencou da euforia do crescimento acelerado para uma grave crise econômica. Zuma deixa também o histórico ANC, fundado por Nelson Mandela, dividido internamente e despedaçado frente à opinião pública.

Cyril Ramaphosa, presidente da ANC, assumiu a presidência do país nesta quinta-feira (15). Foto de 11 de fevereiro.
Cyril Ramaphosa, presidente da ANC, assumiu a presidência do país nesta quinta-feira (15). Foto de 11 de fevereiro. REUTERS/Mike Hutchings
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“O momento atual é histórico para o partido. O apoio ao ANC desmoronou sob o comando de Zuma: ele sai com o partido dividido, os comunistas se retiraram da aliança de esquerda para as próximas eleições. O balanço político é catastrófico”, resume a analista política Liesl Louw, do Instituto de Estudos de Segurança, de Johanesburgo. “Em 2016, nas eleições locais, pela primeira vez o partido perdeu Joanesburgo e Pretória e essa situação não tende a melhorar.”

Passados dois anos de imbróglios com a justiça por suspeitas de desvios de fundos, o cerco se fechou contra Zuma, com operações policiais visando seus aliados, entre os quais os poderosos empresários da família Gupta. Foi a gota d’água para o ANC abandonar o líder: na segunda-feira (12), a sigla deu um ultimato de 48h para o presidente deixar o cargo. A renúncia veio nesta quarta-feira (14).

Ele estava sob uma pressão enorme. A moção de desconfiança do partido de oposição [prevista para essa quinta-feira] seria uma grande humilhação e o golpe final seria ele sofrer impeachment pela oposição, com o apoio do seu próprio partido. A dúvida é saber se essa reação do ANC não veio tarde demais”, indica Louw.

A especialista nota que o sucessor de Zuma, o vice-presidente Cyril Ramaphosa, tem uma boa imagem no país e encarna o DNA do partido, de ser próximo do povo. “Ele é um ex-sindicalista, mas hoje é um empresário riquíssimo e agora presidente em uma época de desconfianças”, pondera a pesquisadora.  

Políticos duvidaram das investigações

Adam Habib, Wits University, avalia que a queda de Zuma e o avanço inédito das investigações de corrupção no país podem marcar uma nova fase na história do país – mas ainda é cedo para avaliar até onde esse processo vai avançar. “O fato de que a base do presidente Zuma esteja desmoronando está relacionado com esse clima pró-democracia, mas não tenho certeza de que esteja estritamente ligado ao contexto que levou o presidente a sair.”

O biografo de Zuma, Jeremy Gordin, considera que o maior erro do líder foi duvidar do sucesso das investigações. “Ele é um homem do povo, sorridente, respeitoso. Veio de um mundo humilde e tudo que conquistou, foi no meio deste mundo.  Mas ele foi estúpido por entrar na linha do confronto com todos, ignorando os fatos e pensando que tudo ficaria bem. Não estava bem e foi para a Corte Constitucional, que verificou que havia coisas erradas, que iam contra a Constituição”, afirma o escritor. “Acho que, desde o início, ele teve péssimos conselheiros legais. Vimos muitos casos de investigações nos anos 1990 e no início dos 2000 que deram em nada, mas desta vez ele [Zuma] cometeu um grande erro de achar que seria igual.”

Reforma eleitoral

Para o cientista político Lessiba Teffo, a crise política evidenciou a necessidade de uma reforma no sistema eleitoral sul-africano. O presidente não é eleito pelo povo, mas pelo partido. “É o povo quem tem que testar e aprovar os governantes, e eles não podem ser indefinidamente nomeados pelos partidos. No fim das contas, o partido decide manter uma pessoa ruim no cargo segundo o seu próprio interesse, e não necessariamente no do povo”, sublinha Teffo. “A maior lição que tiro disso é que precisamos de grandes mudanças na lei eleitoral.  As mãos de Zuma não estavam limpas. Ele não é necessariamente um homem estúpido e nem tudo que ele fez foi ruim. Mas a sua reputação estragou e não acho que ele estará entre os que entram para a história de uma maneira positiva.”

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