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Saúde em dia

Brasil: apesar de lobby da indústria, nutricionistas lutam para promover alimentação adequada

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Uma longa reportagem publicada em setembro no jornal The New York Times trouxe à tona uma triste realidade para a saúde pública brasileira: segundo o jornal, a estratégia de venda das grandes indústrias alimentícias e seus produtos industrializados contribuem diretamente para o aumento da obesidade no país.

O consumo de legumes e a redução de sal e açúcar ajuda a reduzir o excesso de peso e protege de outras doenças
O consumo de legumes e a redução de sal e açúcar ajuda a reduzir o excesso de peso e protege de outras doenças REUTERS/Alessandro Garofalo
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O consumo de produtos de alto teor calórico, ricos em açúcar e com pouco valor nutritivo é um dos motivos da epidemia mundial de obesidade. Dados do The New England Journal of Medicine, uma das publicações mais respeitadas do mundo, mostram que existem 700 milhões de pessoas obesas no mundo, sendo que 108 milhões delas são crianças.

O mesmo estudo revela que a prevalência da doença dobrou em 73 países desde 1980, provocando 4 milhões de mortes prematuras. No Brasil, a realidade não é diferente. Em 20 anos, a obesidade triplicou. Em apenas dez anos, a população de obesos passou de 11,8% em 2006 para 18,9% em 2016, segundo o Ministério da Saúde. No estudo, mais de 53% dos 53.210 entrevistados estavam com excesso de peso. A título de comparação, na França, 14,5% da população adulta está bem acima do peso.

As causas são multifatoriais, incluindo as mudanças de hábito. Hoje os brasileiros consomem menos arroz e feijão, estão menos desnutridos e têm melhores condições de vida, o que explica também o acesso mais fácil a produtos industrializados. A obesidade favorece doenças graves como a hipertensão e o diabetes tipo 2, além de outros problemas cardiovasculares e doenças crônicas não transmissíveis.

Além disso, como mostra a reportagem do jornal The New York Times, empresas como a gigante Nestlé usam a estratégia da venda do porta a porta em regiões mais pobres e afastadas no Brasil para atingir uma camada de consumidores distante dos grandes centros.

Consultada pela RFI Brasil, a Nestlé respondeu que esse tipo de venda representa menos de 1% do mercado no Brasil. "O intuito na época foi criar uma renda para uma população menos favorecida", diz André Barros gerente-executivo da empresa responsável pela área de nutrição e inovação. Ele também lembra que a Nestlé diminiu a quantidade de sal e açúcar em seus produtos e aumentou a quantidade de fibras. A empresa também financia programas em escolas públicas brasileiras para ensinar as crianças a se alimentar melhor.

Luiza Torquato, nutricionista da Unidade Técnico do Conselho Federal de Nutricionistas, diz que a reportagem do jornal americano mostra de maneira fiel a vulnerabilidade econômica, política e alimentar do Brasil em termos de saúde e nutrição.

“Nas pequenas cidades, onde às vezes o acesso ao alimento saudável é difícil, não se tem uma estrutura de abastecimento adequada. É o que chamamos de uma situação de deserto alimentar. Nesses lugares, a indústria consegue se implantar, vendendo alimentos ultra processados, riquíssimos em açúcar, sódio e gordura”, diz. “Sem contar que a forma de produção é desfavorável para o meio ambiente, muito diferente da realidade local, com uso de aditivos e estímulo à monocultura”, explica. Além disso, esses aditivos muitas vezes tem um poder de "viciar" o paladar porque desencadeiam uma sensação de prazer. "Como drogas lícitas", declara a nutricionista.

“As pressões são inúmeras”

A representante do Conselho Federal de Nutricionistas, especialista em saúde pública, conta que os desafios são constantes na luta contra o lobby da indústria alimentícia. O órgão promove frequentemente campanhas de educação nutricional junto a profissionais que atuam diretamente com a população, para incitar os brasileiros a consumir menos alimentos processados.

Uma batalha que acontece também dentro do Congresso Nacional, como explica a nutricionista. “Participamos de inúmeros foros dentro do Congresso, representações, na Anvisa, e espaços onde a gente pode incidir sobre as políticas públicas, argumentar e falar dos dados da obesidade, que crescem desenfreadamente no Brasil e no mundo”.

A tentativa, afirma, é mostrar alternativas para uma alimentação melhor. Mas a pressão da indústria é forte. “A gente vê claramente, quando somos convidados para uma audiência pública, quem é favor dos alimentos ultra-processados, da indústria. São pessoas que investem muito dinheiro. É uma competição desleal. Você tem a população, os interesses coletivos e os interesses das grandes corporações, o lobby”, diz.

Segundo ela, existem várias iniciativas do Ministério da Saúde e da Sociedade Civil. “Existe uma aliança pela alimentação adequada e saudável. Entidades e pessoas físicas se organizam para ter mobilizações em prol da saúde pública, promovendo campanhas e ações em prol de uma alimentação correta, inclusive no âmbito do legislativo”, conclui.

Ela lembra que, recentemente, foi lançado um Guia Alimentar para a população brasileira. Acordos também estão sendo feitos com a indústria para, por exemplo, reduzir o sal nos alimentos industrializados. Um dos objetivos é também introduzir uma nova rotulagem dos produtos para que o consumidor saiba identificar quais componentes são nocivos para a saúde. Além disso, proibir que esses produtos contenham atrativos para a criança, como personagens de desenhos animados. "O caminho longo", resume.

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